Пікірлер
@JorgeSilva-qw9uw
@JorgeSilva-qw9uw 11 күн бұрын
Nossa consagrei a Medicina ontem e hoje vocês trazem esse estudo de Jung hoje , que também estou estudando. Muito bom, parabéns a todos do Instituto Catarinense.
@JorgeSilva-qw9uw
@JorgeSilva-qw9uw 11 күн бұрын
Bom dia a todos!
@traceygreenlow7599
@traceygreenlow7599 2 жыл бұрын
𝙥𝙧𝙤𝙢𝙤𝙨𝙢 🙋
@chloeosuna
@chloeosuna 2 жыл бұрын
incrível! no aguardo da segunda parte
@julianabonneau280
@julianabonneau280 3 жыл бұрын
Gratidão, IJUSC e Profa. Anita, por disponibilizarem conteúdo tão rico e elucidativo.
@luizaugustoambrosrath8200
@luizaugustoambrosrath8200 3 жыл бұрын
Parabéns, Maria Cristina! Gostamos muito de te ouvir falando sobre um tema tão atual e cativante principalmente em tempos de pandemia, onde conseguimos refletir mais sobre assuntos introspectivos. Da tua cunhada Regina e sobrinho Luiz Augusto.
@patriciatoniote7379
@patriciatoniote7379 3 жыл бұрын
Parabéns, a professora Anita. Excelente palestra.
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
As pessoas ficam famosas como psicanalistas não por seus sucessos terapêuticos (talvez não haja nenhum), mas por suas ideias. E a fama de uma ideia vem de sua influência, não de sua verdade. Foi assim com Freud, Jung e Adler e foi assim com Klein, Binswanger, Lacan e muitos outros. - Roger Scruton. Em: Tolos, fraudes e militantes: pensadores da nova esquerda. 1ª ed. RJ. Record, 2018, p. 206
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
De qualquer modo, toda abordagem sumária da obra junguiana corre o risco de ser deformante, e não poderia traduzir essa ideia, aos nossos olhos, essencial, de processo de individuação que permite uma aproximação lógica com os mistérios, os mitos e os ritos arcaicos de iniciação do Homo religiosus, os quais têm laços prováveis com a iniciação maçônica e/ou gnóstica sobre a qual C. G. Jung tanto ouviu falar durante sua infância e sua juventude... (Maxence, 2004. p. 40)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Jung nasceu e cresceu num período da história europeia que se referia a si mesmo como o fim do século - o fin de siècle. Era uma época de agitação cultura e conflito de gerações em que forças opostas de racionalidade e irracionalidade, progresso social e degenerescência hereditária, positivismo e ocultismo se chocavam como grandes placas teutônicas e produziam abalos sísmicos que culminaram na Grande Guerra de 1914-1918 e nas revoluções e golpes subsequentes (Rússia, Baviera, Transilvânia e outros lugares). Na descrição do eminente historiador George Mosse, esses anos marcaram a “mudança na mentalidade pública da Europa”. Frequentemente se diz que os anos 1912-1913 assistiram ao término intelectual do século XIX. Os anos da Grande Guerra também foram um período a que Jung iria mais tarde se referir como seu “confronto com o inconsciente”, um tempo de grande comoção pessoal, mas também de exploração visionária e descoberta de si mesmo - de fato, o fim intelectual da tirania que o aburguesamento oitocentista exercia sobre a psique de Jung. Esses anos foram o divisor de águas entre duas épocas formativas de sua vida. Assim como a Grande Guerra pareceu confirmar a derrocada da moralidade e das formas artísticas e culturais burguesas convencionais e a ascendência dos estilos estéticos “modernos” e da “nova ética” sexual, assim também o Jung de então ia descartando um estilo de vida burguês oitocentista e reinventando a si mesmo como líder de um movimento moderno que promovia o desenvolvimento da individualidade. Nesse período, Jung procurou tornar-se inteiramente moderno e criou um método prático para levar a cabo a filosofia de vida da geração fim-de-século. Entretanto, como atestam muitos que o conheceram, ele nunca renunciou por completo a sua persona de respeitabilidade burguesa oitocentista, apesar de tudo o que procurava aparentar em sua vida privada. [Jolande Jacobi (na longa entrevista que consta dos Jung Oral Archives da Countway Library of Medicine) repetidas vezes indica a convencionalidade burguesa de Jung dava mostras no trato social.] De todas as biografias existentes de Jung, nenhuma o coloca no contexto histórico do fim de século. Só os curtos, porém magistrais, estudos históricos de Ellenberger tentaram tal abordagem [Ellenberger, The discovery of the unconscious; idem, “Carl Gustav Jung: his historical setting”]. Ver Jung como homem do fim de século é fundamental para entender sua obra e, especialmente, sua fascinação pelos mistérios antigos. (Noll, 1996, p. 31-2 e p. 337)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
(...). As opiniões biológicas de Jung e sua fascinação com o Urtyp parecem incluí-lo diretamente nas tendências especulativas da metafísica da filosofia natural - a despeito das tentativas posteriores de integrar em suas próprias teorias filogenéticas esse idealismo com referência aos conceitos evolutivos mecanicistas. [Segundo W. Leibbrand afirmou em 1954, “os ensinamentos de Jung, em psicologia são inteligíveis apenas se os relacionarmos a Schelling” (citado em Ellenberger, The discovery of the unconscious, p. 204). C. G. Jung’s Bibliothek: Katalog (Kusnacht-Zurich, 1967), o inventário da biblioteca de Jung menciona novas edições das obras reunidas de Schelling e Goethe, assim como as obras de Gorres e Carus. As obras dos principais materialistas científicos estavam ausentes quase por completo das estantes de Jung, ao passo que os filósofos naturais se mostravam amplamente representados ali.] Durante toda a vida, Jung mencionou Carus e Von Hartmann como grandes influências em sua ideia do inconsciente coletivo, tendo lido os dois autores quando universitário. Em especial, Jung ficou bastante impressionado com o Psique (1846) de Carus. (...). (Noll, 1996, p. 47 e p. 345)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Jung, por sua vez, ensina que cada homem deve experimentar diretamente, sem referência aos métodos tradicionais, seu “Deus interior” e seguir sua “própria lei”. O processo de individuação levaria as pessoas a questionar e, afinal, abrir mão de seus apoios religiosos, sociais e morais convencionais. Em “Adaptation, individuation, collectivity”, parágrafo 1103, ele chegou ao ponto de declarar, como um “profeta” de sua própria “religião”: “Afastando-se do Deus da religião, a pessoa se torna plenamente ela mesma.” Deste ponto de vista, a alma não necessitaria da fase inicial de purificação e “extinção”, nem tampouco dos suportes religiosos que propiciam tal purgação. A semelhança entre as duas abordagens, a tradicional e a junguiana, é ilusória e superficial. A primeira indica que a alma decaída é dominada pelo ego-ísmo e as paixões; ela precisa ser “domada”. É a via do desapego, da “extinção” das paixões e do egoísmo que se tornou uma segunda natureza. Este é o primeiro passo da vida espiritual, em todas as tradições espirituais. Só depois é que vem a fase da “união”, quando a alma “entra” no campo do Real. O erro aqui é não levar em conta a necessidade da “limpeza” da alma, isto é, da erradicação dos vícios e da prática das virtudes. A psicologia junguiana, contudo, nada diz deste estágio inicial. A pergunta que fica aqui é se este não é justamente o ensinamento contido no simbolismo da “serpente” no Éden, que diz que “o homem é Deus”? Como, aliás, já havia sustentado o gnosticismo heterodoxo dos primeiros séculos, gnosticismo que fascinara Jung. Seja como for, alguns veem no junguianismo, quando comparado ao freudismo, uma maior convergência com as espiritualidades tradicionais. Mas permanece válido o argumento de que a diferença entre os dois é que enquanto Freud se gabava de ser um inimigo irreconciliável da tradição, Jung simpatizava com ela, mas, na realidade, esvaziava-a de seus conteúdos mais profundos, substituídos pela noção do psiquismo coletivo. Jung procurou aproximar a psicologia da filosofia e sustentou que o ato de pensar, base da filosofia, não passava de uma atividade psíquica como qualquer outra. Isso é o mesmo que descartar a verdade objetiva e colocar tudo na vala comum do subjetivo. Operação similar deve ser vista no sentido em que ele usou o termo “arquétipo”. Diferentemente do sentido original, platônico, de um paradigma exemplar que transcende a história e é elevado em todas as civilizações e épocas, Jung encara os arquétipos como “estruturas do inconsciente coletivo” e parte do plano psicológico apenas, sem nenhuma conotação realmente intelectual e objetiva. Constata-se em Jung, ademais, o repetido movimento de compelir a metafisica e a religião de volta ao campo psíquico, como se este tivesse sempre a última palavra. Esta tendência acabou por contaminar todas as esferas de atividade humana, marcando com seu particular relativismo a cultura, a história, a arte e a religião. Ao menor toque do junguianismo, tudo se torna “psicológico” - ou seja, subjetivo e relativo. - “Ocultismo e religião em Freud, Jung e Mircea Eliade” Mateus Soares de Azevedo; Harry Oldmeadow. São Paulo: IBRASA, 2010. pp. 47-9
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Foi no livro Dogma e Ritual da Alta Magia (1854) que Éliphas Lévi, pseudônimo do ex-diácono francês Alphonse Louis Constant (c. 1810-1875), produziu pela primeira vez a gravura de Bafomé (grafia original: Baphomet), também conhecido como o bode de Mêndes ou o bode do Sabá (Fig. 1). Desde então se tornou uma figura emblemática nos círculos esotéricos, ocupando um lugar de destaque na Thelema, o sistema mágico concebido por Aleister Crowley (c. 1875-1947), o mais ativo - e polêmico - ocultista do século XX (DOUCET, 2001; RAPOSO, 2003). Link (1998, p. 200) considerou Bafomé a "mais influente imagem de culto satânico de todos os tempos". Pesquisas de origem duvidosa ligaram-no, erroneamente, à maçonaria e aos Cavaleiros Templários. (DOUCET, 2001; RAPOSO, 2003). A figura de Bafomé encerra em si um simbolismo sincrético, retirado de fontes diversas: alquimia, gnosticismo, escatologia cristã, mitologia egípcia e as religiões misteriosas da Grécia antiga (RAPOSO, 2003). Para compreender melhor o simbolismo por trás deste ícone, os autores apoiaram-se na abordagem teórica do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (c. 1875-1961), ex-colaborador de Sigmund Freud e fundador da Psicologia Analítica. Durante o curso de sua carreira, C. G. Jung pesquisou diligentemente as tradições esotéricas ocidentais que floresceram a margem do Cristianismo ortodoxo, a exemplo do gnosticismo e, menor grau, a cabala (BAIR, 2006a, 2006b). Jung (1985, 1989, 1990, 1997, 1999) fez estudos aprofundados sobre a alquimia, o foco de interesse nas últimas duas décadas de sua vida. Na alquimia Jung encontrou uma fundação histórica para a sua psicologia do inconsciente. (BAIR, 2006b). No final do livro A Psicologia da Transferência, Jung (1999) fez uma breve menção ao "Baphomet dos Templários". Ele o relaciona com os hermafroditas "monstruosos" da alquimia, mas não tem certeza de sua verdadeira conexão com os Cavaleiros do Templo. O presente artigo aplica a hermenêutica junguiana, complementada pelo material produzido por seletos estudiosos do simbolismo religioso, numa tentativa de decifrar o enigmático Baphomet, essa "sintética efígie" segundo Raposo (2003, p. 28). É sobre as origens históricas do lendário "bode-ídolo" que trataremos na próxima seção. - “Aterradora transcendência? Uma análise simbólica do Bafomé de Éliphas Lévi”. Fernandes, Ermelinda Ganem; de Sá, José Felipe Rodriguez; Gansohr, Matheus.Horizonte; Belo Horizonte Vol. 11, Ed. 3, (Jul-Sep 2013)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
A obra de Jung contém também uma série de referências a Hegel. Como outros historiadores da filosofia, ele vê no pensamento Hegel a mais importante resposta a Kant e à limitação que Kant viu na capacidade mental de conhecer legitimamente Deus. Mas a análise junguiana de Hegel é permeada de ambivalência. Nas suas colocações mais importantes sobre Hegel no Obras Completas, Jung o descreve como um pensador orgulhoso, que respondeu à humilde aceitação kantiana das limitações da mente - especialmente a respeito da presunção da mente em relação ao conhecimento de Deus - elaborando um grandioso esquema do absoluto e do seu desenvolvimento na história. C. G. Jung, “A natureza da psique”, in A dinâmica do inconsciente, OC VIII, par. 358: “A vitória de Hegel sobre Kant significava uma gravíssima ameaça para a razão e o futuro desenvolvimento da mente alemã e até mesmo europeia, sobretudo se levarmos em conta que Hegel era um psicólogo camuflado e projetava grandes verdades da esfera do sujeito sobre um cosmo por ele próprio criado”. No parágrafo sucessivo Jung se junta ao coro contra Hegel, acusando-o de “hybris” (ibid., par, 359). Por vezes Jung se refere também às implicações patológicas da “impossível linguagem” de Hegel e da sua tendência ao neologismo (Heidegger se tornou suspeito pelos mesmos motivos) [G. Adler e A. Jaffé (org.), C. G. Jung letters, vol. 2, op. cit., p. 501, cf. também p. 121, onde Jung se refere ao “estilo esquizofrênico heideggeriano ou neogermânico do norte”. Há porém aspectos da própria obra de Jung que não são tão hostis a Hegel. Numa carta, Jung descreve Hegel como um psicólogo amador, assim como ele próprio foi “um filósofo mauqué” [Id., ibid, vol. 1, p. 194]. No âmbito informal da correspondência, Jung nos oferece algumas das mais claras indicações de que ele era plenamente consciente das profundas implicações filosóficas e metafisicas da sua visão da psique, um aspecto do seu pensamento que ele tende a negar nas suas obras publicadas - (...). Ainda numa das suas últimas cartas, Jung admite que poderia ter uma ressonância entre o seu pensamento e o de Hegel, ainda maior do que ele pensava, apesar de ele continuar negando toda influência direta e consciente de Hegel sobre seu pensamento: “Não é possível inferir uma dependência direta, mas... há, n verdade, uma notável coincidência entre alguns princípios da filosofia hegeliana e as minhas descobertas relativas ao inconsciente coletivo”. [Id,. Ibid., vol. 2, p. 502] (DOURLEY, 1987, p. 63-5)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
A Escola da Sabedoria do esotérico Keyserling e Jung Depois da Primeira Guerra Mundial, as almas germânicas em que o culto do Sol tocava fundo e que, entre 1914 e 1920, podem ter ficado pouco à vontade ante a crescente associação da Liga Monista com a política nacionalista alemã, ou aquelas que talvez já não achassem atraentes a teosofia e a antroposofia, podiam encontrar um nicho em Darmstadt, no círculo em torno do conde Hermann Keyserling (1880-1947), o qual tem sido chamado “o mais influente guru da Europa central entre 1918 e 1933”. [Webb, The occult establishment, p. 182. Em inglês, a melhor fonte sobre a vida e as ideias de Keyserling é Struve, “Count Hermann Keyserling and the School of Wisdom: grand seigneurs, sages and rulers”, em Elites against democracy, p. 274-316.] (...). Fosse ou não antissemita, Keyserling era decerto um alemão deslavadamente volkisch em sua perspectiva metafísica. A obra com que conquistou fama internacional, Diário de viagem de um filósofo (1919) era um relato esotérico de suas andanças ao redor do mundo em 1911. Ele escreveu o livro entre 1912 e 1918, em sua propriedade rural na Estônia, esperando a guerra terminar. Tratava-se basicamente de uma exposição volkisch sobre como a geografia moldou a alma dos habitantes de cada uma das terras que Keyserling havia visitado. Era, portanto, uma exaltação da Bodenbeschaffenheit, as “forças formativas do solo”, um conceito de meados do século XIX. A Escola da Sabedoria (Schuler der Weisheit) era um foro para ensino da ioga e de outras doutrinas esotéricas e também o lugar aonde uma ou duas vezes por ano Keyserling e destacados estudiosos davam conferências. [Para o estabelecimento e a operação da Escola da Sabedoria e um resumo autobiográfico da vida e obra de Keyserling, ver Count Hermann Keyserling, “My life and work as I see them”, em idem, The world in the making (New York, Harcourt, Brace, 1927), p. 3-104. Os temas de Keyserling se baseavam em ideias de renovatio cultural por meio de práticas ocultistas como a ioga, a meditação oriental e a psicologia junguiana: “A Escola da Sabedoria é antes um quartel-estratégico do que um centro de estudos; justamente por isso, provoca tanta hostilidade. Através dos métodos psicológicos adequados, ela pretende assimilar o impulso da renovação vital com base no espírito ao amplo corpo da realidade espiritual” (p. 67). A psicanálise a que Keyserling se submeteu era junguiana e incluía sessões com Jung, que continuou a analisar os sonhos de Keyserling pelo correio. Keyserling disse: “Graças á psicanálise, cuja prática vim a conhecer em dezembro de 1922 por intermédio de Oskar A. H. Schmitz e cuja teoria e prática me ocupou por dois anos depois disso, as hipertensões de minha natureza se converteram em tensões normais. Fiquei mais calmo e me enxerguei mais claramente” (p. 69)] (...) A Escola da Sabedoria deveria ser o meio pelo qual Keyserling prepararia uma elite metafisicamente superior para liderar o renascimento espiritual do mundo. O objetivo era “desenvolver sábios a partir de fragmentos de homens”, e gerar “o verdadeiro líder do futuro”. (...). Jung, Keyserling e Wilhelm se conheciam bem, e a grande maioria das cartas de Jung reunidas em coletânea é para aqueles dois homens. A correspondência com Keyserling está repleta das interpretações que este pedia de seus sonhos; ela indica que Keyserling considerava Jung quase seu guru. As cartas de Jung a Wilhelm são calorosas e sempre encorajadoras. No final dos anos 20 e começo dos anos 30, Jung escreveu três resenhas muito favoráveis de livros de crítica social metafisica publicados por Keyserling. Na última, de 1934, Jung chegou ao ponto de proclamar que Keyserling “é, no sentido mais puro, o porta-voz do Zeitgeist [o espírito dos tempos, o clima de opinião de determinada época ou período (N. T.)]ou, para sermos mais precisos, do Zeitgeist do homem espiritual. [...] Os dons mediúnicos de Keyserling agregaram os pensamentos desconexos, irrequietos e fragmentários de toda uma época. (...). (...) Na virada do século [XIX para o XX], esse conceito de hereditariedade determinada pelo ambiente ainda era aceito por alguns círculos científicos alemães. Jung, soando bastante como o Keyserling do Diário de viagem, afirmou o seguinte sobre a pangênese: “Assim como no processo de evolução a mente foi moldada pelas condições do solo, hoje o mesmo processo se repete diante de nossos olhos. Imaginem um grande segmento de alguma nação europeia transplantado para um solo e um clima estranhos. Podemos estar certos de que, em poucas gerações, esse grupo irá sofrer mudanças psíquicas e talvez até físicas, sem que nem mesmo precise haver mistura de sangue estrangeiro”. [Jung, “Mind and Earth” (1927)] Um testemunho disso, conforme Jung, era as “expressivas diferenças” entre “as variedades de judeu” da Espanha, da África do Norte, da Alemanha e da Rússia. Ele predizia a “indianização do povo africano”, que na origem era “predominantemente germânico”. Como prova, Jung mencionava ter observado “uma torrente de operários saírem de uma fábrica”, em Buffalo em 1912 e comentado com um amigo que “eu nunca imaginara que houvesse aqui porcentagem tão alta de sangue índio”. Esse amigo americano, rindo, dissera a Jung que não havia nem uma gota de sangue índio naqueles operários. Jung então deduzira que a geografia, e não as “unidades mendelianas” (genes), devia ter moldado a expressão fenotípica deles. Num esforço para apoiar ainda mais essa lógica tipicamente volkisch, Jung citava o trabalho antropométrico do renomado antropólogo americano Franz Boas, o qual, segundo Jung, “mostrou que mudanças anatômicas começam a ocorrer já na segunda geração de imigrantes, principalmente nas dimensões do crânio”. (...). (Noll, 1996, p.102-6 e p. 364) (...). Afora o ensaio “Mente e terra” incluído no livro de Keyserling de 1927, talvez o escrito mais explicitamente volkisch de Jung tenha sido “A função do inconsciente”, que em 1918 foi publicado em duas partes numa popular revista mensal suíça. [C. G. Jung, “Uber den Unbewussten”, em Schweizerland: Monatshefte fur Schweizer Art und Arbeit, 4: 464-72, 548-58 (1918). Ver C. G. Jung, “The role of the unconscious”, em CW 10.] Esse ensaio é importante não apenas por causa de suas teorias volkisch, mas também porque foi o primeiro trabalho importante a ser publicado por Jung depois da ideia de 1916 do inconsciente coletivo (ao qual, em “A função do inconsciente”, ele também se referia como “inconsciente supra pessoal”). Segundo Jung, “o cristianismo dividiu o bárbaro germânico em duas metades, a superior e a inferior, e lhe permitiu domesticar a metade mais brilhante e adequá-la à civilização, reprimindo pra tanto o lado sombrio”. Era, naturalmente, a distinção entre o homem natural (Naturmensch) e sua contrapartida civilizada e prisioneira, uma distinção bem familiar que permeava a cultura alemã desde os tempos de Goethe. Em contextos volkisch, falar do bárbaro germânico não constituía necessariamente um insulto, podendo ser uma idealização do homem puramente instintual. “Mas”, acrescenta Jung, “a metade mais baixa e sombria ainda espera por redenção e por um segundo período de domesticação.” [ibidem par. 17]. Essa metade inferior da alma germânica estava enraizada no solo (sua “qualidade tectônica”, na expressão de Jung), sendo “encontrada nos povos germânicos em concentrações perigosas”. [ibidem, par. 18]. Jung dizia que, “em minha opinião, esse problema não existe com os judeus”, pois eles não estão “enraizados” na terra como os povos germânicos. O judeu “está mais domesticado do que nós, mas lhe falta bastante aquela qualidade em enraíza o homem na terra e dali extrai forças”. “O judeu tem muito pouco dessa qualidade - pois onde é que ele pisa sua própria terra? O mistério da terra não é brincadeira nem paradoxo.” [ibidem]. (...). Naquele ensaio de 1918, Jung acrescentava: “O solo de cada país esconde algum mistério. Temos na psique um reflexo inconsciente disso; assim como existe uma relação entre corpo e mente, também há uma relação entre terra e corpo” [Jung, “The role of uncounscious”, par. 19]. Como a relação dos judeus com a terra diferia dos povos germânicos, as teorias psicanalíticas de Freud e Adler só podiam aplicar-se aos judeus: “essas doutrinas especificamente judaicas são de todo insatisfatórias para a mentalidade germânica; ainda guardamos dentro de nós um bárbaro genuíno, com o qual não se deve brincar”. [ibidem] Segundo Jung, esse bárbaro germânico era “anticristão” e, embora o autor alertasse que podia “voltar-se contra nós” (isto é, contra alemães como Jung), “ainda é uma fortuna intocada, tesouro incorrupto, sinal de juventude, garantia de renascimento”. [ibidem par. 20]. Alcançar esse estrato pagão oculto no inconsciente coletivo não apenas redimiria o indivíduo, mas também levaria ao nascimento de um mundo novo, pois, como dizia Jung: “apenas uma mudança na atitude do indivíduo pode renovar o espirito das nações. Tudo começa no indivíduo”. [ibidem par, 45]. (...) (Noll, 1996, p. 107-8 e p. 365)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
7 SERMÕES AOS MORTOS O tempo quente e seco criava uma atmosfera pesada e inquietante, prenúncio daquelas rápidas e intensas tempestades de verão, comuns na região de Zurique. Alguma coisa parecia prestes a explodir e uma enorme ansiedade se apossava das pessoas na casa. Duas xícaras, sem que ninguém tivesse se encostado nelas, tinham saltado no ar e se espatifado no chão. Jung se inquietava, apesar de ter sido avisado em sonhos. Nesse momento a sineta da porta soou duas vezes. A governanta abriu a porta, a tempo de ver a sineta se mover sozinha, por uma terceira vez, mas não havia ninguém lá fora. Voltou assustada para informar ao seu patrão, que apenas acenou a cabeça, em um vago sinal de apaziguamento. Jung compreendeu que eles tinham chegado. “São os mortos, que voltaram de Jerusalém”, murmurou. Deu instruções para que não fosse mais incomodado naquela tarde e que iria ficar sozinho no seu consultório. Reclinou-se na sua poltrona e sua mão, aparentemente sem controle, traçou no papel o que parecia ser um título e que dizia simplesmente: “Sete Sermões aos Mortos”. Jung sorriu, enquanto os vultos enchiam a sala, a sua volta. Um mundo extraordinário e transparente se abria mais uma vez para ele, um mundo que Freud jamais conheceria. - “O caminho de Jung” - George Borten. Belo Horizonte, 2001, p. 5
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
O renascimento do interesse pela obra de Jung reflete as condições próprias do terceiro milênio, o clima da Nova Era, com sua espiritualidade difusa e se pensamento multipolar e fragmentado. Poderia ser a saída para a crise da psicologia profunda, nome sob o qual é usual incluir a psicanálise e a psicologia analítica, além das demais correntes que lidam com o conceito de inconsciente. No centro de tudo está, é claro, a psicanálise, cujas origens situam-se no ambiente sombrio dos dias finais do império Austro-Húngaro. Com a decadência do poder político, a intelectualidade burguesa vienense passou a se dedicar mórbida e compulsivamente, aos temas da sexualidade e da morte. A Viena de Freud não era mais a Viena da música alegre das valsas, mas sim a das sufocantes lembranças de um tempo perdido, o que se refletirá, na teoria psicanalítica, em uma preocupação obsessiva com o passado. Este clima pesado e inquietante moldou o pensamento de Freud, sem que, talvez, ele percebesse o quanto era vulnerável ao mesmo. Entretanto, na burguesa e republicana Suíça, outras correntes de inquietações fervilhavam sob a calma superfície de seus lagos, forças muito antigas e poderosas e que muitos julgavam desaparecidas. Dali surgiu uma alternativa para a psicologia sem alma de Freud, formulada por seu colaborador e depois rival, Carl Gustav Jung, que trabalhou com ele de 1906 até 1913. (...)..., mas o que os uniu, no início, foi a paixão por um lado da psique humana, denominado “o inconsciente”, ideia que, de modo vago, já circulava no pensamento do século XIX. Como escreveu Hugo Von Hofmannsthal [poeta austríaco (1875-1929)]: ‘Não possuímos nosso Eu ele sopra de fora sobre nós, foge de nós por muito tempo, e nos retorna em um suspiro’ A crise da modernidade provocou o surgimento de variados e exóticos sistemas de pensar a natureza humana, ou modos de ver o mundo, métodos de interpretação totalizantes que pretendiam ser capazes de explicar a nova realidade. Os que permaneceram são agora defrontados com a visão crítica da pós modernidade, encontrando o seu maior e, talvez último, desafio. - “O caminho de Jung” - George Borten. Belo Horizonte, 2001, p. 3-4. Freud representa um tipo de mentalidade própria do final do século XIX e começo do século XX. O estilo das ciências humanas, na época, espelhava-se nas teorias da física e o conceito de energia parece tê-lo influenciado, levando-o a propor um equivalente psíquico, a libido, que seria algo como uma energia sexual. O perigoso fascínio pela analogia, que contaminará a psicanálise, começava aí. Há ecos também do Romantismo, como a passionalidade, a exaltação do conflito de opostos, a rebeldia contra a autoridade, o amor impossível ou inaceitável o incesto, em particular, a concepção do homem irracional e a obsessão pelo lado marginal do ser humano. Jung, por outro lado, vinha de uma família religiosa [protestante] e desde criança tinha visões e sonhos premonitórios. Caso sua obra fosse analisada por um espírita, talvez ele poderia identificar ali um médium. Isto está muito discretamente colocado em suas obras, mas as sensações que ele descreve como imaginação ativa, podem ser interpretadas como o equivalente do chamado transe mediúnico. Jung interessava-se profundamente por filosofia, religião, mitologia, alquimia e esoterismo em geral e foi ficando cada vez mais envolvido com misticismo. (...). Sabine Spielrein, curiosa e trágica personagem, não pode ser esquecida, pois ela teve um papel importante, só agora revelado, graças à liberação da correspondência trocada entre ela e Jung. Sabine começa como sua paciente. No final do tratamento, Jung convenceu-a a se tornar uma psicanalista (essas coisas eram fáceis naquela época); (...). Jung exercia reconhecidamente um grande fascínio sobre as mulheres, que formavam a maioria do seu círculo interno de discípulos, chamadas por muitos de al valquírias, uma alusão irônica às deusas guerreiras dos mitos germânicos. Esta personalidade carismática parece explicar muito do seu sucesso como terapeuta. (...). Após a ruptura com Freud, Jung ficou livre para elaborar a sua própria variante da psicanálise, que ele denominou de psicologia analítica. Uma das suas mais importantes proposições nessa nova fase é que, além do inconsciente individual, cada ser humano compartilharia um inconsciente coletivo com toda a humanidade. (...). Em seus escritos profissionais, Jung leva a entender que seria algo como uma função hereditária. Em seus escritos particulares, entretanto, ele parece crer em um acesso da mente a uma fonte espiritual coletiva. (...). O relacionamento com o inconsciente se revela uma dialética de contínuo desenvolvimento, cujo eixo se encontra fora de nós e que nos escapa sempre, mas que ainda assim nos estrutura e nos orienta. (BORTEN, 2001, p. 6-10) Jung foi muito influenciado pelo conceito de polipsiquismo da escola de psiquiatria francesa do século XIX, isto é, a ideia de que a mente é o resultado do funcionamento de unidades semiautônomas, que ele denominou de complexos, e que, no caso de uma personalidade bem integrada, atuariam em sintonia, criando a unidade da psique. (BORTEN, 2001, p. 14) Do outro lado da psicologia analítica, o grande defensor da atuação política é Andrew Samuels. Segundo ele, a única coisa e que os analistas são realmente bons é em conseguir que as pessoas expressem conscientemente o que já sabem inconscientemente, mas ainda não perceberam ou pensaram. Os analistas deveriam se aliar expressamente aos grupos marginais ou minorias, desvendando a experiência psicológica de ser um excluído. Eles poderiam ajudar a superar os estereótipos defensivos impostos pela cultura dominante, ao analisar a natureza e a existência da diferença em si, como é se sentir diferente, como é viver essa diferença. (BORTEN, 2001, p. 22) (...). Esse modo de encarar o processo de individuação como uma crise aguda de grandes proporções, estimulada pelo analista, que começaria por uma nekyia, ou descida aos infernos, foi abolido na psicologia analítica a partir dos anos 70, quando várias práticas polemicas - entre elas a da Soror Mystica - foram abandonadas. (BORTEN, 2001, p. 23) Para termos uma melhor ideia de quem foi Jung, é preciso ler, antes de tudo, o livro “Memórias, sonhos, reflexões”, parcialmente escrito por ele e completado, com base nos seus diário, por Aniella Jaffé. Que Jung é difícil de ler, talvez esta seja a única unanimidade a respeito de sua obra. Parte da dificuldade é a sua intenção de esconder ou minimizar o forte conteúdo espiritual presente na mesma. Uma associação com fenômenos espiritualistas levaria a uma acusação de ocultista, que representava, para a mentalidade então dominante, uma ideia de coisa doentia, louca, decadente, que poderia destruir sua credibilidade científica. Daí o cuidado com que evita termos que poderiam soar estranhos ou mesmo não científicos. Por exemplo, o que ele chama de imaginação ativa poderia ser entendido como transe mediúnico ou, diríamos hoje, estados alterados de consciência, mas este é um assunto que ele queria evitar a todo custo. A um leitor descuidado poderia parecer que ele está falando sempre de sonhos, mas analisando-se bem o texto, percebe-se que esta não é o caso. Arquétipo é um termo que cobre várias situações diferentes na sua obra. Em algumas situações, o termo se refere às próprias imagens arcaicas, em outras a predisposições atemporais, são determinantes teleológicos, afetando o desenvolvimento da psique como atratores estranhos. Em algumas passagens do texto, contudo, não há como evitar a estranha sensação de que o termo ativação de arquétipos poderia ser substituído por possessão por espíritos. Mais uma vez nos deparamos com a famosa ambiguidade de Jung e suas tentativas de esconder uma conexão espiritualista. Essa ambiguidade ocasional, que afinal ele mesmo admitiu ter empregado, exige um trabalho de releitura. É preciso lembrar que até o final da vida ele repudiava com veemência o epíteto de místico. As dificuldades não param nisto. Para provar suas ideias, ele normalmente não usa um simples raciocínio dedutivo, mas algo que poderíamos chamar de processo de ilustração. Cita uma longa sequência de analogias e exemplos, similares à ideia original e, a um determinado momento, dá-se por satisfeito. O acúmulo de evidências paralelas parece ter sido suficiente para ele. O leitor fica com a estranha sensação de ter pulado o trecho do texto onde a ideia teria sido demonstrada. Isto pode parecer pouco científico para nós, mas não para a época, quando o modelo mais admirado de ciência era a arqueologia, não no sentido atual, mas à moda de Heinrich Schliemann, o descobridor de Tróia, que, munido de versos de Homero, pás e uma brilhante imaginação, julgou ter descoberto a Tróia da Ilíada. Sua mulher, Sophia, desfilava nos melhores salões da Europa usando as joias encontradas nas escavações, que Schliemann jurava, mesmo sem provas convincentes, terem pertencido à Helena de Tróia. A atuação de uma mente ousada, aventureira e especulativa, parecia naturalmente científica para os contemporâneos de Jung e Freud. (...). (BORTEN, 2001, p. 25-7)
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@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Septem Sermones ad Mortuos A casa parecia repleta de uma multidão, como se estivesse cheia de espíritos! Estavam por toda a parte, até mesmo debaixo da porta, mal se podia respirar. Naturalmente, uma pergunta ardia em mim: “Em nome do céu, o que quer isso dizer?” Houve então uma resposta uníssona e vibrante: “Nós voltamos de Jerusalém, onde não encontramos o que buscávamos”’. Estas palavras correspondem às primeiras linhas dos Septem Sermones ad Mortuos. (Ibid.: 169) Durante as três noites que se seguiram, Jung escreveu aquilo que fluía espontaneamente do seu interior, como se tivesse sido tomado por um espírito que escrevia pela sua mão. “Senti um impulso incoercível de exprimir e formular o que de certa forma poderia ter sido dito por Filemon” (Ibid.: 168). Isso acontece num período em que o pensamento de Jung entra em conflito com o de Freud, uma de suas principais referências até aquele momento. A crise não era só teórica: era também pessoal. Ele experimentava grande confusão e desorientação. Nas suas memórias, a escritura dos Sermones é apresentada como o ponto em que Jung começa a resolver a crise. Analogamente ao que acontecia aos gnósticos dos primeiros séculos, a impressão é que Jung recebe uma revelação, ou experimenta uma gnose, no sentido de um conhecimento que vem “do além” e/ou do seu interior mais profundo, e não pelos caminhos em que o conhecimento, no meio científico em que se encontrava, deveria vir. Os Septem Sermones não apenas narram uma história gnóstica, mas a gnose está presente no modo em que essa história foi “recebida” e escrita. - “A gnose junguiana: estudo das noções de corpo e mente em Jung e suas raízes no gnosticismo”. Carlos Bein Quintana. SP. 2009, p. 57-58
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
A partir de 1980 o pensamento junguiano foi sendo redescoberto pelo grande público, coincidentemente com a falência do modelo materialista, mecanicista e reducionista da ciência e com o surgimento gradual de uma nova espiritualidade. Esta nova espiritualidade, ou espiritualidade da Nova Era ou onda de esoterismo, como é popularmente conhecida, parece ser um fenômeno caótico, principalmente se observarmos o ecletismo das chamadas lojas de artigos esotéricos. Se prestarmos atenção, contudo, veremos que algumas ideias dão uma certa unidade a esse conjunto de movimentos, mas com a ideia de que a religiosidade é muito mais uma experiência pessoal do que a submissão a uma verdade revelada. Podemos observar também a aceitação da expressão multicultural, ou seja, a ideia de que a liturgia e os textos sagrados são visões culturalmente diferenciadas dos mesmos fenômenos espirituais básicos. Ainda outra ideia é a do caráter sagrado do mundo em que vivemos, uma certa visão panteísta. Tudo isso encontra apoio direto nos escritos de Jung, que enxerga o ser humano conectado a uma Alma no Mundo, referida também como Anima Mundi ou Unus Mundus. (...). Para muitos psicólogos [o pensamento de Jung] não seria verdadeiramente uma psicologia por causa da sua vertente espiritualista; para os teólogos, não tinha nada a ver com religião por causa do seu empirismo, e para os filósofos era um sistema insuficientemente estruturado. - “O caminho de Jung” - George Borten. Belo Horizonte, maio de 2001, p. 38-40
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Se examinado de uma perspectiva histórica, o fenômeno contemporâneo do junguianismo apresenta muitos paradoxos. Ainda que seus teóricos e praticantes citem a legitimidade do junguianismo enquanto teoria psicológica fecunda e prática psicoterápica, um número muitíssimo maior de participantes não profissionais se vê atraído pela “espiritualidade” do movimento. Uma casta de psicoterapeutas profissionais - os analistas junguianos - professa as virtudes do ecletismo, mas reivindica para suas crenças e técnicas uma identidade junguiana própria. Como empreendimento capitalista institucionalizado, o junguianismo abrange não apenas centros de formação espalhados pelo mundo (num paralelo com o sistema freudiano), mas também centenas de clubes psicológicos locais (sem nenhum equivalente freudiano) que patrocinam programas e workshops relacionados à espiritualidade da Nova Era e ao neopaganismo. A maioria dos centros junguianos de formação analítica, ainda que enfatize o compromisso com a formação clínica e o desejo de manter vínculos profissionais com as ciências médicas e psicológicas, tem oferecido aulas ou programas de astrologia, I Ching, quiromancia, e outras práticas associadas às ciências ocultas. Talvez o paradoxo mais desconcertante seja entender o próprio Jung, um renomado psicopatologista experimental, psiquiatra e psicanalista, no contexto da história da ciência e da história da psiquiatria. Quem foi de fato C. G. Jung? (NOLL, 1996, p. 8) Os leitores de Jung e participantes das atividades do movimento junguiano são frequentemente indivíduos que procuram aguçar seu senso de “espiritualidade”. A maioria das pessoas que se consideram junguianas não percebe que as ideias de Jung mudaram marcadamente ao longo dos anos. Por exemplo: em fins de 1909, Jung começou a formular a hipótese de que, para além das experiências pessoais, o inconsciente possui um estrato “filogenético” ou racial mais profundo e de que dessa remanescência biológica essencialmente vitalística emerge em sonhos, fantasias e sobretudo estados psicóticos um material pré-cristão, pagão e mitológico. As últimas teorias de Jung, as do inconsciente coletivo transpessoal (1916) e de seus arquétipos (1919), marcaram o fim da já bem tênue coerência com as ciências biológicas do século XX e o retorno a ideias que eram populares no tempo de seu avô - a era de Goethe. Por essa época, explicitou-se a ideia metafisica que de algum modo já estava implícita no pensamento anterior de Jung: qual seja, a de que toda matéria, quer animada, quer inanimada, tem uma espécie de “memória”. Ironicamente, Jung é mais conhecido per ter introduzido como inovação moderna essa ideia velhíssima. E esse conceito essencialmente transcendental está tão difundido em nossa cultura, através da associação com a prática psicoterápica, a espiritualidade da Nova Era e o neopaganismo, que continua a ser tema de incontestáveis seminários, programas de TV, vídeos e livros campeões de venda e forma a base de um ramo da psicoterapia que tem seu próprio nome: a análise junguiana. (Noll, 1996, p. 6-7) Lançada em 1988, a série de entrevistas televisivas com o mitólogo Joseph Campbell (1904-1987) se mostrou tremendamente popular e promoveu bastante as ideias transcendentais de Jung sobre o inconsciente coletivo e os arquétipos desse inconsciente que se manifestariam nas vidas (e especialmente nos sonhos) dos indivíduos. No entanto, raramente se reconhece que tais ideias têm origem em Jung. Uma transcrição dessas entrevistas com Campbell foi publicada em Joseph Campbell & Bill Moyers, The power of myth (New York, Doubleday, 1988). Com as inúmeras reprises da série, houve uma onda de interesse pelo junguianismo, coisa que chamou a atenção da imprensa: ver o artigo das várias páginas na edição de 7 de dezembro de 1992 da revista U. S. News and World Report; ver também o artigo “Interest in Carl Jung experiences revival as some embrace wider view of psychodynamics” na edição 7 de fevereiro de 1992 do Psychiatric News, o periódico da American Psychiatric Association. (Noll, 1996, p.330)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
(...). Embora na década de 1880 J. M. Charcot (1825-1893) tenha despertado curiosidade com sua defesa da hipnose como tratamento para a histeria, foi principalmente graças ao trabalho de Pierre Janet (1859-1947) que a dissociação se tornou foco de interesse. Jung estudou com Janet em Paris no inverno de 1902; de um ponto de vista histórico, Jung (apesar de seu período freudiano) deve provavelmente ser enquadrado nesta tradição clínica francesa, junto com Théodore Flournoy (1854-1920), seu “amigo paternal” e mentor, e Janet. [Eram significativas as diferenças teóricas entre Freud e Janet, e cada um deles via o inconsciente de forma muito diversa. Do ponto de vista pessoal, os dois homens se desprezavam mutuamente. Ver Campbell Perry & J. R. Lawrence, “Mental processing outside of awareness: the contributions of Freud and Janet”, em Kenneth Bowers & Donald Meichenbaum, eds., The unconscious reconsidered (New York, John Wiley, 1984). A melhor história dessa tradição dissociativa francesa é The discovery of the unconscious, de Ellenberger. Também útil é Onno van der Hart & B. Friedman, “A reader’s guide to Pierre Janet on dissociation: a neglected intellectual heritage”, em Dissociation, 2: 3-16 (1989)]. A famosa “teoria dos complexos” de Jung, que ele testou experimentalmente em seus estudos de associação verbal, deriva dessa tradição clínica francesa, pois se baseia num modelo da mente que enfatiza a dissociação e o polipsiquismo. [A base dissociativista desta teoria é discutida pormenorizadamente em Richard Noll, “Multiple personality, dissociation, and C. G. Jung’s ‘complex theory’”, em Journal of Analyticala Psychology, 34: 353-70 (1989); e idem, “Multiple personality and the complex theory: a correction and a rejection of C. G. Jung’s ‘collective unconscious’”, em Journal of Analytical Psychology, 38: 321-3 (1993)] O primeiro nome que Jung deu a essa nova psicologia pós-freudiana foi psicologia dos complexos (termo por ele introduzido em 1913). O fim de século foi também o século da parapsicologia, cujo estudo atraía de forma natural os dissociativistas como Flournoy e Jung. Pesquisadores achavam que a observação do transe mediúnico, o estudo da cristalomancia e a análise da psicografia eram metodologias válidas para sondar o inconsciente. [Ver, por exemplo, Wilma Koutstaal, “Skirting the abyss: a history of experimental exploration of automatic writing in psychology”, em Journal of the History of the Behavioral Sciences, 28: 5-27 (1992). Um desses pioneiros no uso da escrita automática experimental foi Gertrude Stein, que publicou ensaios sobre seu trabalho como estudante na Radcliffe na década de 1890. Ver também Sonu Shamdasani, “Automatic writing and the discovery of the unconscious”, em Spring, 54: 100-31 (1993).] Com a fundação da Sociedade de Pesquisa Psíquica na Inglaterra em 1882 e as copiosas publicações de seus membros, surgiram novos modelos do inconsciente. O mais respeitado era o “self sublimal” de Frederick Myers (1843-1901), cuja função “mitopoética” (isto é, geradora de mitos) se assemelhava à posterior concepção junguiana do inconsciente coletivo. [A teoria do self sublimal pode ser encontrada em numerosos textos de F. W. R. Myers publicados na década de 1880 e 1890 nos Proceedings of the Society for Psychical Research e em sua grande obra póstuma, Human personality and its survival of bodily death, 2 v. (London, Longmans, Green, 1903)] No curso de medicina, Jung leu muito da literatura sobre parapsicologia, e em 1902 sua tese de doutorado citava a obra de Myers e outros expoentes dessa mesma tendência. No fim do século XIX, em vista do tom de degenerescência e ruína e da obsessão com o individualismo, o erotismo, o misticismo e os mortos, eram propícias às condições para quem procurasse novas vias de renovação cultural, política, física e (sobretudo) espiritual. O grande historiador da cultura Jacob Burckhardt (1818-1897), que o estudante Jung admirava de longe nas ruas da Basileia, já observara em 1843: “Todo mundo quer ser novo, e nada mais”. [Esta queixa de Burckhardt está numa carta de 23 de agosto de 1843 a Johanna Kinke e é citada em Gay, Education of the senses, p. 52n.] A neofilia, como busca de novas ideias, novas experiências, novas disciplinas acadêmicas, novas terapias, obcecava a imaginação de muitos no fim do século, e Jung certamente era um deles. (NOLL, 1996, p. 36-7 e p. 338-40)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
(...) Em 13 de janeiro de 1925, durante uma viagem aos Estados Unidos, Jung conversou com um grupo de discípulos americanos no apartamento de Kristine Mann (1873-1945), médica e uma das primeiras analistas junguianas nesse país. Segundo as anotações no diário de outra discípula importante, Esther Herding (1888-1971), Jung “falou de psicologia racial e disse muitas coisas interessantes sobre como os ancestrais parecem estar na terra. Como prova disso, mencionou as mudanças morfológicas nos crânios das pessoas na Austrália e aqui nos Estados Unidos”. [ver “From Esther Harding’s notebooks: 1922, 1925”, em William McGuire & R. F. C. Hull, Jung speaking: interviews and encounters (Princeton, Princeton University Press, 1977), p. 30.] Os seminários de Jung em 1925 sobre psicologia analítica continham mais evidências de que ele se baseava em metáforas geográficas e geológicas do século XIX para expressaras forças atuantes em sua teoria psicológica. Sua exposição de 6 de junho de 1926 continha um diagrama da mente humana em forma de carta geológica, o qual Jung denominou sua “‘geologia’ da personalidade”. [Jung, Analytical psychology, p. 133]. (...) Tanto cientistas quanto ocultistas haviam proposto a existência de um núcleo dinâmico incandescente dentro do planeta. Um naturalista e filósofo francês, o conde de Buffon (1707-1788), acreditava que a terra já fora uma bola de fogo expelida do sol e que a crosta era o exterior resfriado de um núcleo constituído de matéria estelar, ainda volátil e muitíssimo quente. Podia-se então argumentar que o material do corpo humano era feito dessa matéria, tornando todos nós Sonnenkinder [filhos do sol]. “Em cima tal como embaixo”, a máxima frequentemente citada dos alquimistas, tão cara a Jung, ganhava assim novo significado. O mesmo acontecia com outra das imagens favoritas de Jung, a fala de Lúcio (o protagonismo de Apuleio em O asno de ouro) quando afirmava: “vi o sol no meio da noite” (nocte media vidi solem) durante um mistério subterrâneo de iniciação no culto de Ísis. Desde o século XVIII, naturalistas citavam a ocorrência universal de vulcões e larva como forte prova científica de que debaixo da crosta havia um núcleo em fusão; e a hipótese de um calor ou fogo central era pressuposto básico da escola vulcanista ou plutonista da geologia nos séculos XVIII e XIX. (...). A “geologia da personalidade” se baseava, portanto, numa visão geofísica vulcanista que Jung tomara de empréstimo a seu aprendizado em ciências naturais. (...). Depois desses exemplos da visão mística geológica que Jung tinha da personalidade humana, e considerando seu relacionamento com Keyserling e outros que compartilhavam essa visão, podemos ver quão profundamente ele estava vinculado a indivíduos e ideias no movimento e no ocultismo volkisch. A franca ligação de Jung com o Volk não foi de todo apreendida por seus discípulos (predominantemente) americanos e britânicos nos anos 20; em especial, também não o foi por aqueles que nos anos 30 entraram na órbita de Jung em Kusnacht-Zurique e que, com o advento de Hitler, consideravam essas ideias propriedades apenas de outro movimento volkisch da época, o nacional-socialismo. (Noll, 1996, p. 109-13)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
O pensamento junguiano é o cerne da Maçonaria, é a eclosão da semente lançada na Inglaterra em 1717, ... - Jung é a Aurora da Maçonaria: o pensamento junguiano na ordem maçônica. Jean-Luc Maxence, Madras, 2004, p. 9 (...) Em relação ao diabólico, eis que ele já está bem servido. - Jung é a aurora da maçonaria: o pensamento junguiano na ordem maçônica. Jean-Luc Maxence. Madras, 2004, p. 20 (...). Assim, Colin Wilson, mesmo ao evidenciar a paixão do jovem C. G. Jung pelos livros consagrados aos fenômenos religiosos em geral e ao oculto em particular, nada deixa transparecer sobre a influência eventual dos meios iniciáticos helvéticos sobre suas primeiras descobertas identitárias. Quanto a Barbara Hannah, ela evoca a influência do avô de Jung (Carl Gustav Jung Sênior, 1794-1864) sem registrar seu pertencimento à Maçonaria, mas menciona a lenda familiar segundo a qual esse avô "muito ativo e brilhante" era filho natural de Wolfgang Goethe, o poeta maçom, autor principalmente daquele Fausto que C. G. Jung leu e apreciou ainda com 16 anos! Por seu lado, Vincent Brome evoca simplesmente que C. G. Jung descende de uma longa linhagem de pastores e faz alusão à filiação hipotética em relação a Goethe. (...)... Gustav Jung, seu neto, iria, no século seguinte, representar um certo número de ferramentas e de símbolos maçônicos e alquímicos no teto de sua famosa torre de Bollingen! Assim, sob a pluma de Richard Noll, vê-se bem que C. G. Jung nasceu em um meio de tradição maçônica, ... (...). De facto, uma certa atmosfera religiosa e esotérica é a marca principal da família Jung ao longo de gerações. Mesmo o avô materno de Jung, o reverendo Samuel Preiswerk, "chefe do clérigo protestante de Bale", entretinha-se com os "espíritos dos mortos"! Quanto a seu neto, C. G. Jung, como se sabe, ele fez em 1900 sua tese de doutorado sobre os "fenômenos ditos ocultos", o que não tem nada de surpreendente. Aliás, o genitor de C. G. Jung. Johann Paul Achille Jung, que era pastor, mas um teólogo meio medíocre, provavelmente, teria sido iniciado e, como seu pai, banhava-se no universo de uma Maçonaria impregnada da mitologia da Rosa-Cruz e da Arca da Aliança perdida... (...). Não devemos nos esquecer de que a Maçonaria representava um papel capital na família Jung, uma vez que Carl Gustav Jung Sênior, o mesmo que uma lenda fazia descender da mão esquerda de Goethe, tinha feito completar os brasões familiares com vários símbolos dos "filhos da Viúva", entre os quais a estrela brilhante. Em resumo, o pequeno C. G. Jung já evoluía em pleno atanor [forno usado pelos alquimistas] invisível. Claro, na história de sua vida, ditada por ele mesmo quando já tinha 80 anos, Carl Gustav não hesita em nos confiar que considerava seu genitor como um notável pouco consistente, um clérigo protestante que de forma alguma acreditava nos dogmas que ensinava, cumprindo, no entanto, tão bem quanto mal seus deveres religiosos. O futuro mestre de Küsnacht, como era chamado, registra mesmo que seu pai era um orador medíocre, escrevendo até que suas homilias ditas no púlpito soavam "como uma história contada por alguém que não pode verdadeiramente nela acreditar ou que a conhece por ouvir dizer". Ele até mesmo acrescenta, desabusado e quase debochado: "Eu gostaria de ter vindo em seu auxílio, mas não sabia como fazê-lo". (...). - Jung é a Aurora da Maçonaria: o pensamento junguiano na ordem maçônica. Jean-Luc Maxence, Madras, 2004, p. 23-25
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
(...). E pode-se ousar então a hipótese, evidentemente um pouco iconoclasta, que é a partir da Maçonaria, ao se servir de seus rituais de origem e de suas ferramentas, que C. G. Jung, de certa forma, como um bom "lobinho" (é assim que se nomeia o neto de um maçom), extraiu suas ideias, seus conceitos, a filosofia que o conduziu a criar e a aprimorar sua técnica, sua psicologia das profundezas. (...). - Jung é a aurora da maçonaria: o pensamento junguiano na ordem maçônica. (Maxence, 2004. p. 36)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Quanto ao pastor Bernard Kaempf, em seu livro sobre a reconciliação da Psicologia com a religião, evoca muito oportunamente que as próprias edições sucessivas de C. G. Jung conheceram vários remanejamentos, um pouco à maneira de sua torre de Bollingen, sobre a qual o mestre escrevia: "Depois de um certo tempo, eu novamente experimentava um sentimento de incompletude. Mesmo sob essa forma, a construção me pareceu demasiado primitiva". - Jung é a aurora da maçonaria: o pensamento junguiano na ordem maçônica. (Maxence, 2004, p. 39-40)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Não se pode apreender a obra de Jung e compreender as comparações possíveis entre "seu" processo de individuação que ajuda o sujeito a penetrar o segredo de sua personalidade em uma constante confrontação com o inconsciente e a via maçônica herdeira de um método iniciático vindo do passado mais longínquo, sem iluminar também o sentido profundo desses textos alquímicos redigidos para que fossem compreensíveis somente pelos iniciados, textos estranhos, poéticos e "cifrados", que o colecionador Jung tanto amava... Então, talvez seja necessário citar Ísis, Elêusis e Pitágoras? Como ressalta Etienne Perrot, Jung teve, certamente, de esperar uma quinzena de anos antes de decidir falar sobre a individuação. Ele desejava "poder reunir um processo tão desconcertante aos antecedentes do ego sem as limitações e as projeções do pensamento teísta". - Jung é a Aurora da Maçonaria: o pensamento junguiano na ordem maçônica. Jean-Luc Maxence, Madras, 2004, p. 58-9 Em 1928, a primeira chave lhe foi fornecida pela obra Le mystère de la fleur d'or, que evoca uma "revolução da luz", tendo como realização final o desabrochamento de uma imortalidade. Mas é, sobretudo, a partir de sua exploração entusiasmada da Alquimia ocidental que Jung se aventurou em comparações, ressaltou as conveniências entre a via da individuação e as fases da obra. A busca alquímica torna-se, então, o terceiro ponto do triângulo de abordagem filosófica da empreitada. Processo de individuação, via iniciática na Loja, Grande Obra dos alquimistas, esta última sendo sinônimo da própria Alquimia, com suas fases experimentais e sua alta simbólica do Universo... Eis, portanto, as bases de nossa abordagem de explorador espiritual que busca tateando não o ouro sonante e líquido e objeto de tanta cobiça profana, mas a pedra filosofal, em seu sentido pleno e integral. Graças à individuação, e também à iniciação, o indivíduo entra por graus de descoberta nos círculos que o atraem para a Câmara do Meio de seu ser interior. Da mesma maneira, relata-nos Mircea Eliade, as etapas do opus (obra) alquímica constituem uma iniciação, "isto é, uma série de experiências específicas que têm como objetivo a transformação radical" da pessoa e de sua condição humana. Mas acrescenta Eliade, "o iniciado que conseguiu não pode exprimir convenientemente sua nova maneira de ser em língua profana, ele se vê obrigado a utilizar uma linguagem secreta". Assim, a individuação pode somente se explicitar em termos específicos, o caminho iniciático também, segundo ritos e esquemas precisos. Da mesma maneira, a Alquimia tem seu saber tradicional, sua linguagem, seus tratados, seus conceitos, sua fantasmagoria figurativa, seu emblema (a serpente ouroboros [Ouroboros é um símbolo místico que representa o conceito da eternidade, através da figura de uma serpente (ou dragão) que morde a própria cauda. Etimologicamente, a palavra ouroboros se originou a partir da junção dos termos gregos, ourá, que significa “cauda”, e boros, que quer dizer “comer” ou “devorar”.] que morde seu próprio rabo), seus temas mitológicos e primitivos, seus enigmas. (...). Permanecemos herdeiros, claro, de 15 séculos de práxis alquímica em busca dessa pedra filosofal que não era de modo algum o ouro vulgar (aurum non vulgi), mas que encerrava em si a imortalidade. Nascemos igualmente, tão recentemente (no século passado), dessa violação no coração da matéria que a Física nuclear realizou quando realizou a transmutação da massa em energia atômica devastadora. (O próprio Robert Oppenheimer falava, então, em "obra do Diabo"!). (...). - Jung é a Aurora da Maçonaria: o pensamento junguiano na ordem maçônica. Jean-Luc Maxence, Madras, 2004, p. 59-61
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
(...). Quanto a C. G. Jung, ele jamais se coloca como teólogo e não responde a essa questão da libertação possível de Satã no fim dos tempos. Ele escreve "como médico sob a impulsão da responsabilidade médica, e não como defensor de uma doutrina". Também não fala como erudito, ele quer antes continuar, de certa forma, o processo de recepção histórica. (...). No fundo, para compreender em que os novos avanços de Jung encontram ressonância e correspondência com as contribuições da Maçonaria, ainda que se apoiem no estudo de símbolos emprestados aos gnósticos e à Alquimia, é preciso, sem dúvida, evocar o essencial dos conceitos de Jung, não apenas sobre o processo de individuação, mas também sobre o Eu, centro da consciência, a Sombra, a conjunção e/ou oposição Animus-Anima, e naturalmente o Si-mesmo. Na introdução da edição em língua francesa da Aïon, o historiador das religiões Antoine Faivre e o romancista Frédéric Tristan deixam isso muito claro: é “menos nas Teologias oficiais do que na Teosofia cristã, na Alquimia e na Aritmosofia, ou no mestre Eckart, que Jung encontra as especulações mais completas, um imaginário mais rico de sentido e mais próximo da realidade psíquica, sem que por essa razão essas especulações possam ser consideradas como maniqueístas no sentido de ontologicamente dualistas. A ideia central é, portanto, no fundo, que a exclusão da força ruim para fora do Si-mesmo empírico causou, e ainda causa, prejuízos no estado mental individual e coletivo”. Mas, afinal, o que é esse Si-mesmo para o qual conduz, de certo modo, o caminho de individuação? Em que ele é uma superação do Eu? Em que, para retomar os próprios termos de Etienne Perrot, C. G. Jung é “antes de tudo o testemunho de uma realização interior, cujos frutos são seu método psicológico e sua obra”? Melhor: como sua aventura "traz para o campo científico a antiga busca do Graal e a audaciosa descida aos infernos de Fausto"? Como Goethe, Jung não para de nos dizer: “torna-te o que tu és!”. (...). - Jung é a aurora da maçonaria: o pensamento junguiano na ordem maçônica. Jean-Luc Maxence. Madras, 2004. p. 62-650
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Em 1907, no 1º Congresso Internacional de Psiquiatria e Neurologia em Amsterdam, Jones conheceu o psiquiatra suíço Carl Jung, na época diretor assistente do sanatório Burgholzli em Zurique. Jung já utilizava as teorias de Freud há anos - (...). Na clínica tratava a esquizofrenia e realizava testes de associação de palavras com os pacientes. Ao conhecer Jones, Jung ficou encantado em saber que o galês também praticava psicanálise (não fazia ideia de que os preceitos freudianos já haviam alcançado a Grã-Bretanha) e rapidamente escreveu a Freud contando a boa nova. Jones, no entanto, ainda não apresentaria um trabalho psicanalítico no referido congresso: ao invés disso apresentou um artigo sobre Neurologia. No congresso também estava Otto Gross, psiquiatra e neurologista da Áustria que acompanhava Freud e praticava o método catártico. De volta a Londres após o congresso, Jones - agora um pouco melhor profissionalmente após a absolvição no escândalo em um hospital de Neurologia - organizou uma viagem de um mês para Munique, para fazer um curso na renomada clínica Kraepelin. Após deixar Munique, Jones passou por Zurique e reencontrou Jung, onde conversaram muito. Em visita ao Burgholzli acabou conhecendo também Abraham Brill, de Nova Iorque. Jones ficara muito impressionado - e simpatizado - muito mais com Gross do que com Jung. [Anos mais tarde Jones escreveria em carta a Freud que “naquele outono eu estava em Munique e ali aprendi mais com Gross do que jamais aprendi com Jung”. Carta de 18.05.1914, de Jones a Freud, p. 281 in The Complete Correspondence of Sigmund Freud and Ernest Jones (1908-1939), edição de Paskauskas, NY, Harvard University Press, 1993. Citada por Maddox, 2006, p. 55.] Embora tivesse achado o suíço inteligente e vibrante, achava-o um tanto confuso e “esotérico”: Naquela época eu poderia melhor descrever Jung como uma personalidade animada. Ele tinha um cérebro ativo, inquieto e rápido (...). Com toda a sua inteligência e erudição, porém, Jung carecia de clareza e estabilidade em seu pensamento (...) Sua compreensão dos princípios filosóficos era tão duvidosa que não era de admirar que eles mais tarde degenerassem em obscurantismo místico. [Freud-Jones correspondence] - A importância de ser Ernest Jones: uma leitura psicanalítica sobre a Invisibilidade de um homem notável. Izabel de Madureira Marques. SP, 2018, p. 31-2
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Veremos que as raízes das propostas junguianas de individuação (renascimento) pela análise (iniciação) podem ser buscadas numa mesma fantasia do fim do século, a fantasia de uma sociedade influenciada por uns poucos humanos perpetuamente criativos e individuados. Mas, como forma de elitismo espiritual autoproclamado, “experimento silencioso” de Jung com a psicologia de grupo iria basear-se em elementos religiosos explicitamente tomados de empréstimo aos antigos mistérios helenísticos e a seus modernos imitadores ocultistas. [Jung, Introduction to Toni Wolff’s ‘Studies in junguian psychology’”, em CW 10, par. 887. Esse “experimento silencioso” era o Clube Psicológico - a célula germinativa do movimento junguiano] (Noll, 1996, p. 64 e p. 352)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Assim chegamos ao pensamento de C. G. Jung. Como ele via a alma. (...). Jung possuía uma tendência para rever o conceito de alma, considerando-a muito mais complexa do que imaginava os psicólogos antes dele. Freud, por isso, teme que seu amigo se aproxime do ocultismo, então em voga na época. Ficou famoso o conselho de que ele deu a Jung: “Meu amigo, afaste-se do lado negro do ocultismo”. Pela palavra ocultismo deve-se entender a mediunidade e os estudos da chamada Matagnomia e Metapsíquica. Jung não foi capaz de atender o seu amigo, pois continuou interessado no lado oculto da mente, assistindo, inclusive, sessões mediúnicas onde, supostamente, comunicavam-se almas de pessoas que viveram na Terra. Basta lembrar que a sua tese final de curso foi feita com o material que ele colheu nas sessões mediúnicas que realizou, tendo a sua prima Helena Preiswerk como médium. Em um de seus livros, Jung declara com toda a franqueza as suas dúvidas sobre a alma e a sua imortalidade: “Não desejo nem deixo de desejar que tenhamos uma vida depois da morte e, absolutamente, não cultivo pensamentos desta ordem, mas, para escamotear a realidade, preciso constar que, sem que o deseje ou procure, ideias desse gênero palpitem em mim. São verdadeiras ou falsas? Eu ignoro, entretanto, constado a sua presença e sei que podem ser expressas desde que não as reprima por um preconceito qualquer.” (...) Permita-me o leitor que eu coloque aqui um pequeno texto de um psicólogo junguiano, a fim de que, quem nos leia, possa ter uma ideia melhor e mais ampla deste assunto. O psicólogo se chama Erlo Van Weaveren e o texto é o seguinte: “Certa vez falei com o professor Jung sobre o tema da reencarnação, entretanto, depois desta conversa e sua esposa (de Jung), me disse: ‘Não fala a ninguém sobre o que disse o professor, ainda não é tempo’.” Que teria dito Jung? Por certo, algo que a sua esposa considerou como comprometedor ou talvez um apoio às ideias de Weaveren que havia escrito um livro sobre Doroty Ead, uma mulher que acreditava ter sido a esposa do farão egípcio Setti I. - Jung e a filosofia da alma - José Carlos Leal. Em: A Questão do Corpo. (Seção Especial Kairós 2010). Boletim Interfaces da Psicologia UFRRJ, vol. 3, n.1, janeiro-junho de 2010, p. 81-2, p. 84
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
(...) Tal como acontecia com qualquer europeu culto daquela época que tivesse origem alemã e se interessasse pelas inúmeras formas da Lebensphilosophie, a biblioteca de Jung continha muitos volumes publicados pela Eugen Diederichs, incluindo edições das Eddas e livros de Adolph Keller, um dos analistas da Escola de Zurique que se insurgiram junto com Jung em 1914. Aliás, de 1896 a 1930, Diederichs talvez tenha sido o mais importante disseminador da Lebensphilosophie na Europa central. Ele mesmo escolhia as obras que achava que precisavam ser republicadas e lidas; sua intenção era recuperar o vitalismo da Lebensphilosophie para “ajudá-lo a alcançar um efeito contemporâneo mais amplo”[isso constava de um material publicitário da Eugen Diederichs em 1927 e foi citado por Stark, Entrepreneurs of ideology, p. 68]. Não surpreende que muitas dessas publicações coincidissem com fontes de influência intelectual de Jung. Em 1901, por exemplo, Diederichs começou a editar Deus-natureza (Gott-Natur), uma série em vários volumes que trazia as obras de Giordano Bruno, Paracelso e Lamarck e de Goethe, Carus e outros proponentes da filosofia natural especulativa de inícios do século XIX, na qual Jung baseou sua teoria dos arquétipos. Diederichs, como Jung, achava que “ser verdadeiramente religioso significa ser irracional” (palavras dele); sua missão enquanto editor era “colocar em primeiro plano o caráter irracionalista da religião” e ajudar a criar um novo “mito” ou “mística” para o redespertar intelectual dos povos germânicos [ibidem, p. 70]. Segundo o historiador Gary Stark, “Diederichs esperava poder completar o processo e criar uma nova religião na Alemanha, uma religião em que Deus seria substituído pela irracionalidade da força vital cósmica”; por isso, “a verdadeira religião precisava basear-se numa metafisica subjetiva e intuitiva” [ibidem]. (...) E, de fato, Diederichs exigia que uma aristocracia espiritual liderasse o que denominou “Estado popular orgânico” (organischer Volksstaat) depois da Primeira Guerra Mundial. O elitismo espiritual de Diederichs era de um tipo bem conhecido e análogo ao de Jung, de Keyserling, da Liga Monista, da Tannenberg e de outros (incluindo, pode-se dizer, o da SS). Em parte usando os roza-cruzistas do século XVII como modelo, a elite espiritual metafisicamente preparada de Diederichs deveria ser, nas palavras dele, “um Bund secreto, mas aberto, dos que tem o Geist”. Aqui tornamos a encontrar a fantasia, tão disseminada na Alemanha entre 1890 e 1933, de uma elite “aberta, mas autoritária”, como veremos, Jung também imaginava uma elite, os “poucos” que depois da Primeira Guerra Mundial desenvolveram “função intuitiva” e lideraram a base da base de operações em Kusnacht-Zurique uma “coletividade analítica” utópica. Também como Jung, o programa de Diederichs era violentamente anticristão, preferindo um retorno à religião natural dos teutos. Seguindo seu mentor espiritual Lagarde, cujas obras republicou, Diederichs queria ver surgir na Europa central uma nova religião germânica, baseada na experiência fundamental do renascimento (Wiedergeburt). Além das obras sobre folclore e mitologia alemã, que davam ao público da Eugen Diederichs justamente esta visão acerca dos teutos, ele combatia a ortodoxia cristã reimprimindo textos que havia muito tempo a Igreja considerava heréticos. No final da década de 1890, classicistas como Hermann Usener, Wilhelm Bousset, Albrecht Dieterich e Richard Reitzenstein começaram todos a publicar estudos extremamente eruditos e difíceis a respeito do gnosticismo, e Diederichs ampliou a distribuição dessas ideias editando entre 1903 e 1910 obras sobre o gnosticismo para o leitor leigo (tal como fez na época a Sociedade Teosófica). Jung possuía um estudo posterior (1924) de Arthur Drews sobre esses primeiros grupos heréticos [A biblioteca de Jung em Kusnacht continha nada menos do que sete volumes de Arthur Drews, todos publicados pela Eugen Diederichs: Die Christusmyte (edições de 1910 e 1911); Die Entstehung des Christentums aus dem Gnostizismus (1924); Lehrbuch der Logik (1928); Die Marienmythe (1928); Plotin und der Untergang der antiken Weltanschauung (1907); e Der Sternhimmel in der Dichtung und Religion der alten Volker und des Christentums (1923), que incluía exposições tipicamente volkisch sobre a estrela ou sol como imagens de Deus na religião natural dos antigos]. Diederichs, para negar a existência histórica de Jesus, também encomendava trabalhos a teólogos alemães conhecidos, mas pouco ortodoxos, que tinham conexões com a Liga Monista. Entre estes trabalhos, os dois mais controvertidos eram O problema de Cristo (1903), de Albert Kalthof, e O mito de Cristo (1909), de Drews; Diederichs também editou nove outras obras do gênero, esperando que elas, nas palavras de Stark, “acabassem reduzindo a figura de Cristo a mero símbolo da força vital cósmica [Stark, Entrepreneurs of ideology, p. 73]. Jung citava essas obras, sobretudo em Metamorfoses e símbolos da libido, um livro que, conforme argumentei em outros capítulos, repudiava a ortodoxia cristã e promovia o misticismo volkisch do culto do sol. (Noll, 1996, p.95-8 e p. 362)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
“Não posso lhe dizer como é um homem que goza de uma completa auto realização, nunca vi nenhum…” Carl G. Jung obs.: este é o mesmo senhor que disse: “minha vida é a história de um inconsciente que se realizou”.
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
“[...] nada de definitivo se pretende com o conceito de arquétipo [...]” (JUNG, C.G., “Civilização em transição”. 6ª Ed. Vozes 2013, pp. 200-201).
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
(...); mas é interessante notar que foi justamente nessa época (1909-1910) que Jung ficou fascinado pela literatura sobre o zoroastrismo e o mitraísmo - e sobre a origem deles no antigo culto iraniano do sol. [ver McGuire, “Introduction”, em CW B, p. xviii. Ver também Noll, “Jung the Leontocephalus”, em Spring, 54: 12-60 (1993); o Deus Leontocéfalo era imagem constante nos antigos locais de culto mitraístas e (conforme se afirma nesse artigo) deixava Jung particularmente fascinado, por inúmeras razões.] Mais tarde, temos uma prova concreta de que Jung estava ciente daquele culto solar tão perto de sua própria base de operações, pois, num ensaio publicado em 1928, ele mencionava os mazdaznanianos, junto com “a Ciência Cristã, a teosofia [e] a antroposofia”, como exemplos de cultos extra cristãos de “formação individual de símbolos”. [Jung, “On psychic energy”, par. 92.] (...); durante seu seminário sobre o Zaratustra, em maio de 1934, ele [Jung] fez pouco do boato de que Nietzsche, quando universitário em Leipzig, teria conhecido o Culto de Mazdaznan e tirado daí a ideia para o livro. (...). Ainda assim, é interessante ver que a primeira coisa que Jung fez no seminário sobre o Zaratustra tenha sido negar decisivamente a influência do Culto do Mazdaznan em Nietzsche - e, por extensão, em si próprio. Considerando que Jung estava bem a par dos mazdaznanianos, e especialmente sabendo que em seu ensaio de 1928 ele lhes dera lugar proeminente entre outras tradições ocultistas bem conhecidas, é provável que ele estivesse ciente de Heise e do culto solar dos mazdaznanianos, mas que não quisesse ver suas próprias ideias serem publicamente associadas ao culto ou à filosofia do culto. (NOLL, 1996, pp 116-17 e p. 368)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Neopagãos em Ascona e no hospital Burgholzi: O Burgholzi era o maior centro de tratamento psiquiátrico da Suíça e ficava bem próximo da rota contracultural que ligava a zona boêmia de Schwabing, em Munique, ao vilarejo de Ascona. Absinto, cocaína, morfina, ópio e outras substâncias eram às vezes acompanhados da “nova ética” nietzschiana, com trágicos resultados; e rituais de purificação espiritual que envolviam jejuns, dietas exóticas, caminhadas excessivas etc. podiam induzir breves reações psicóticas. (Um influxo de pacientes similares ocorreu em clínicas e hospitais psiquiátricos na “era psicodélica” dos anos 60, continuando ainda hoje.) As alucinações e delírios desses exploradores espirituais podiam realmente incluir os componentes das ideias e da simbologia mística que eles haviam estudado em sua busca de regeneração pagã. Era o que acontecia com uma pequena parcela dos internados no Burgholzli, numa população hospitalar que constituía a base para as observações clínicas de Jung e para os dados que (começando em 1908) ele e seus assistentes reuniram em defesa de um estrato “filogenético” no inconsciente, ideia da qual derivaram as teorias posteriores (1916) de Jung. Nem de longe era uma população que tivesse estado livre de exposição a material ocultista e mitológico, quer através de publicações teosóficas ou eruditas (em especial as editadas pela Eugen Diederichs Verlag e pela Verlag B. G. Teubner), quer através da participação em rituais neopagãos. Como Green já documentou, Ascona se transformou numa espécie de centro espiritual e era frequentada por indivíduos tão talentosos e criativos como Hermann Hesse, D. H. Lawrence, Otto Gross, Mary Wigman, Rudolph von Laban, Keyserling, Franz Kafka, Max Brod, Paul Tillich, Max Weber (uma ironia; ele esteve lá em 1913 e 1914) e, anos mais tarde, Jung. Meca contracultural, Ascona tinha sua própria caaba circum-ambulada (o Monte Verita) e seus Naturmenschen, de barba, cabeleira longa e sandálias estilo Tannhauser; o vilarejo se tornaria sede das famosas Conferências Eranos, iniciadas em 1933 e denominadas de modo especial por Jung. [ver William McGuire, Bollingen: an adventure in collecting the past (Princeton, Princeton University Press, 1982), p. 31 et seqs. Por volta de 1900, a cultura neopagã e vegetariana de Ascona chamou a atenção de alguns jornalistas e comentaristas sociais. Um estudo sobre certa colônia de quarenta vegetarianos é Adolph Grohman, Die Vegetarier-Ansiedlung in Ascona und die sogenannten Naturmenschen im Tessin (Halle [s. ed.], 1904).] Aliás, Carl e Emma Jung se hospedavam anualmente numa villa junto ao próprio Monte Verita (“Montanha da Verdade”). [No total, Jung proferiu catorze palestras nas Conferências Eranos, que eram anuais e organizadas por Olga Frobe, a qual Jung conheceu em 1930, na Escola da Sabedoria de Keyserling. Segundo Olga, o nome “Eranos” lhe foi sugerido em Marburg em novembro de 1932, pelo teólogo Rudolph Otto. Ver Aniela Jaffé, “C. G. Jung and the Eranos Conferences”, Spring [s. n.]: 201-12 (1977).] No tempo das Conferências Eranos, porém, os Naturmenschen estavam ficando escassos, pois Ascona já começara a ganhar aquele ar de estacao de veraneio para ricos e “artistas” que conserva até hoje. Laurens van der Post, amigo íntimo e discípulo de Jung, célebre pelos livros sobre suas explorações na África, disse ter muitas vezes convidado Jung a se juntar a ele em outra viagem ao “continente negro”, depois da pesquisa de campo que Jung fizera no Quênia em 1925. Segundo van der Post, Jung replicava que, antes de pensar em voltar à África, ele teria que lidar primeiro com toda a feitiçaria existente na Suíça. Talvez entendamos um pouco melhor essa observação se compreendermos que a Suíça de Jung, uma Suíça que evidentemente tinha mesmo sua cota de neopagãos e outros participantes num submundo ocultista - e também tinha figuras destacadas, como o próprio Jung, atuando nessa rede. (NOLL, 1996, p. 118-19 e p. 368)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
A Suíça tem uma tradição de muitos séculos como terra de heresia e de seitas incomuns. Na Idade Média, os amalricianos, os valdenses e até os cátaros conseguiram muitos adeptos na região. [Sobre os movimentos heréticos suíços da Idade Média, ver Norman Cohn, In persuit of the millenium: revolutionary millenarians and mystical anarchists of the Middle Ages, 2 ed. (New York, Oxford University Press, 1970). Ver também os capítulos consecutivos “The Swiss Reformation” e “The sectariam spectrum: radical movements within Protestantism” em Steven Ozment, The Age of Reform, 1250-1550: and intellectual and religious history of late Medieval and Reformation Europe (New Haven, Yale University Press, 1980), p. 318-51. Informações úteis sobre a cultura suíça são fornecidas em Nicholas Bouvier, Gordon Craig & Lionel Gossman, Genova, Zurick, Basel: history, culture and national identity (Princeton, Princeton University Press, 1994).] A Alemanha meridional e a Suíça foram os principais centros da Reforma quinhentista, e na Suíça o processo de formação de dissidências do protestantismo em “seitas” isoladas continuou até nosso século [séc. XX]. O censo suíço de 1º de dezembro de 1888 contou 10.697 pessoas que viviam em seitas anticonvencionais (e apenas 8384 judeus) numa população de 2,9 milhões, com 1,7 milhão de protestantes e 1,2 milhão de católicos. [estas estatísticas estão em Baedeker, Switzerland, and the adjacentes portions of Italy, Savoy and Tyrol, p. xxxiii.] Embora a maioria daquelas seitas estivesse de um modo ou de outro ligada a ideias cristãs, algumas era cultos carismáticos com estranhos sistemas de crença que promoviam o incesto entre pais e filhos, a ingestão de urina e esperma e outras práticas espirituais anticonvencionais, as quais levaram esses grupos a serem considerados à parte do censo. Nos últimos anos de vida, o psiquiatra suíço Hermann Rorschach (1884-1922) ficou fascinado por tais seitas e publicou quatro estudos de etnografia psicanalítica que se concentravam nos dois lideres carismáticos de uma delas. Entre 1900 e 1920, um eixo contracultural Munique - Ascona parecia estar em plena operação, fazendo que esse circuito se assemelhasse em espírito (ainda que não em tamanho) ao da Califórnia dos anos 60. A Alemanha meridional e a Suíça se tornaram o lar desses grupos neo- pagãos, heliólatras, nudistas, vegetarianos, espíritas, sexualmente liberados e às vezes anarquistas, grupos que faziam experiências com novos estilos de vida ou com uma nova filosofia de vida baseada na experiência mística. Aschheim se referiu a eles como “variedades da religião nietzscheana”. Inspirando-se na proclamação “Deus está morto” (de Assim falou Zaratustra), criavam suas próprias formas de religião pessoal. Quando Marianne Weber escreveu suas impressões do estilo de vida materialmente pobre, mas espiritualmente ousado, ela usou o mesmo adjetivo que o marido empregara ao descrever a essência do carisma: ausseralltaglisch, “fora do comum”, “diferente do que encontramos no dia a dia”. [Mitzman, The iron cage, p. 288]. (...). Os grupos que operavam nessa espécie de Nova Era suíça do fim do século (alguns com preocupações volkisch, mas a maioria provavelmente não) foram documentadas na extraordinária obra de Martin Green. Alguns grupos neopagãos extraíram de antigas fontes persas as ideias de culto do sol. Na década de 1890 ressurgiu um interesse tanto erudito quanto teosófico pela mitologia persa (principalmente pelo zoroastrismo, ou masdeísmo, e pelo mitraísmo). Parte desse interesse se devia certamente à influência de Nietzsche, pois “Zaratustra” era o nome que escritos gregos davam a Zoroastro, profeta que viveu em cerca de 600 a. C. e converteu os primitivos povos indo-iranianos (provavelmente xamanistas) a sua religião baseada na divindade suprema Ahura Mazda. A religião zoroatrista sofreu muitas revisões num período de mais de mil anos, e as formas posteriores são especialmente notadas por seu dualismo e suas hierarquias de demônios e anjos. O classicista belga Franz Cumont (1868-1947) atribuiu o culto-mistério helenístico de Mitra (praticado em 100-400 d. C.) a antigas raízes persas, e o alemão Richard Reitzenstein (1861-1931) fundou na história das religiões toda uma escola dedicada a rastrear as fontes iranianas do gnosticismo. (Nos últimos anos, porém, rejeitou-se a fixação monomaníaca nas origens iranianas, encarnada na obra desses dois eruditos). O fascínio dos alemães pelas origens persas (irânico-arianas) começou na era romântica, em princípios do século XIX. Embora Gustav Fechner (1801-1887), professor de física e depois filosofia na Universidade de Leipzig, seja mais conhecido por seu Elementos de psicofísica (um livro de 1860 que é considerado o primeiro manual da psicologia experimental moderna), ele também escreveu muitas obras metafisicas. Uma delas, Zend-Avesta (1851), um trabalho de filosofia natural romântica, deve o nome ao título do livro sagrado dos antigos zoroastristas iranianos. [G. T. Fechner, Zend-Avesta, oder uber die Dinge des Himmels und des Jenseits, 2 v. (Leipzig, Voss, 1851). Fechner era muitíssimo famoso no século XIX, e alguns aspectos de seu trabalho experimental em psicofísica ainda são bastante respeitados. As obras científicas de Fechner foram lidas e admiradas por Freud e Jung, e ele foi mentor de Wilhelm Wundt. Ver Ellenberger, The discovery of the unconscious, p. 215-18.] A mitologia solar zoroastrista foi extensamente discutida por Muller em muitas de suas obras; com respeito a esse assunto, o próprio Jung citou Muller em Metamorfoses e símbolos da libido. Essas influências também chegaram à literatura ocultista e aos primeiros escritos de madame Blavatsky na década de 1870. (Noll, 1996, p. 113-15 e p. 366-68)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Algumas palavras de esclarecimento com relação a Memórias, Sonhos, Reflexões são oportunas. Quando Jung concordou em entregar-se a reminiscências com Aniela Jaffé, foi sob a impressão de que ela seria considerada a autora do livro; ele estava lhe dando material de primeira mão mas, em essência, o livro seria uma biografia. A ideia de uma biografia “oficial” tinha surgido antes e Jung evitara. Agora, com a pressão de Kurt Wolff e outros, Jung concordou. Após a resistência inicial, Jung começou a ficar interessado e as “recordações de coisas passadas” começou a entusiasmá-lo. Quando Jaffé comunicou a Wolff que Jung havia de fato começado a escrever ele próprio alguns capítulos, Wolff também ficou entusiasmado; sabia que um livro sobre sua vida escrito por ele mesmo venderia mais que uma biografia. Jung, no entanto, insistiu que a autora do livro seria Jaffé e, seis meses antes de morrer, chegou a assinar uma declaração afirmando expressamente isso. Uma das razões que levou Jung a fazê-lo foi o desejo de prover a subsistência de Jaffé após sua morte; eça já não seria sua secretária, mas receberia, como autora, consideráveis direitos autorais, um ponto não negligenciado acerca de seus herdeiros. Outra cláusula não negociável estipulada por Jung foi sobre uma publicação póstuma. Tendo em vista algumas de suas observações durante as sessões com Jaffé, isso pode ter parecido uma decisão razoável. Na realidade, mais que qualquer outra coisa, foi a fonte da confusão que se seguiu. Antes de morrer, Jung deu-se conta de que Jaffé fizera alterações em suas observações originais. Havia, segundo a palavra que inventou, “titiado” (tantifizierung, “titificação” foi como se expressou) sua linguagem terra-a-terra e frequentemente rude para torna-la mais aceitável por leitores convencionais. Ela o fazia soar, disse Jung, como uma tia virgem. Pessoas que conheciam Jung faziam comentários sobre sua fala direta, com uma aspereza “de camponês”, que vinha à tona em conversas e palestras, mas que estava ausente na prosa do Herr Doctor Professor. Quando dera início ao projeto em 1957, Jung ainda era um formidável capataz e Jaffé jamais teria pensado em tomar liberdades com a sua linguagem. Mas então Jung já estava com 82 anos e se cansava com facilidade; em 1960, pouca energia lhe sobrava para resistir às sugestões dela. Para dar um exemplo, um dos acontecimentos mais importantes na juventude de Jung foi sua visão de um enorme excremento caindo do céu e despedaçando o telhado da Catedral de Basileia. Nos “Protocolos”, nome dado às conversas originais com Jaffé, Jung expressa isso com uma brevidade concreta: Deus defecou na catedral e o excremento era tanto que o telhado desabou. Mas o que ele diz em Memórias, sonhos, reflexões é: “Deus senta-se em seu trono de ouro, bem acima do mundo - e, vindo de sob o trono, um enorme monte de excremento cai sobe o telhado fulgurantemente novo, despedaça-o e quebra as paredes da catedral”. A ideia é a mesma, o conteúdo não foi corrompido, mas quem conhecia bem Jung ia perceber que ele não se expressaria dessa maneira, pelo menos não numa conversa. Outra fonte de “titificação” foi a própria família de Jung. Como Jaffé, eles faziam objeção à fala rude do pai e acrescentaram seus próprios eufemismos aos dela. Eram também defensores da privacidade; a ideia de que Jung, como cientista e pensador renomado, pertencia de certa forma ao mundo, escapava-lhes e se mostraram determinados a garantir que qualquer coisa relacionada à família fosse severamente revista. O que significou que muitos trechos sobre Emma [esposa de Jung], os pais dele, a irmã e sua amante foram cortados, assim como seu relacionamento com homens, com gente como Hermann Hesse e o indólogo Heinrich Zimmer. Isso conferiu a um relato já fortemente introvertido uma sugestão ainda mais extrema de que o autor, se não estava esquecido de suas relações com outras pessoas, certamente não estava se concentrando nelas. Algumas pessoas envolvidas na elaboração de Memórias, sonhos, reflexões tentaram impedir que Jaffé e a família Jung completassem o livro de forma “titificante”; por exemplo, o tradutor de Jung, R. F. Hull. Mas quando Jung morreu e Kurt Wolff logo o seguiu, não houve ninguém para detê-los. Mais tarde, a própria Jaffé sentiu a pressão da família, que não achava adequado que ela recebesse tamanha parcela dos lucros. Uma disputa legal coloriu os meses que antecederam a publicação em 1962 e o exaustivo relato de Deirdre Bair constitui uma triste leitura. Embora as edições alemã e inglesa divirjam consideravelmente, ambas passaram pelos “titificadores” e o livro que introduz a maioria das pessoas a Jung é uma mistura curiosa de Jung, Jaffé e a família de Jung. Isso não significa dizer que seja uma fraude ou um trabalho de ficção. Jaffé foi uma dedicada discípula de Jung; foi uma das pessoas que se agruparam em torno dele nos anos 1930, nas conferências Eranos, em Ascona, na Suíça. Era uma intérprete séria de sua obra e foi autora de livros importantes. Mas como acontece com a maioria dos seguidores de um mestre, ela e não poucos de seus colegas foram com frequência mais “junguianos” que Jung e quiseram projetar a imagem correta dele para o futuro. Se prestou a Jung e aos muitos leitores do livro um desserviço é ponto a ser discutido. O livro já circula há meio século e o Jung que a maioria das pessoas conhecem é o Jung que ela representa. (LACHMAN, 2012, p. 246-248)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Segundo o psiquiatra Edward Glover, “do ponto de vista da exposição científica, Jung é, na maioria das vezes, um escritor confuso que parece incapaz de chamar as coisas pelo seu nome e de continuar chamando-as pelo seu nome”, o que tem como efeito criar um “imenso rastro de verbosidade”. [citado em Vincent Brome, Jung: Man and Myth (Londres: Scientific Book Club, 1979), p. 286] Mesmo autores simpáticos a Jung não podem deixar de fazer comentários sobre sua obscuridade. Para o falecido Anthony Storr, um dos melhores intérpretes de Jung e membro respeitado da comunidade terapêutica, “um dos maiores obstáculos para a leitura de Jung é sua multiplicidade de definições mal formuladas para a mesma coisa”. [Anthony Storr, Jung (Glasgow: Fontana/Collins, 1982), p. 51] (...). Jung era um pensador confuso. Jung foi, sem a menor dúvida, uma das mentes do século passado, mas foi também, infelizmente, uma das que causou maior frustração. (...). Como Storr observa: “Jung tem a tendência a empilhar analogia sobre analogia a partir de um conhecimento muito extenso do mito e da religião comparada, a tal ponto que o leitor pode facilmente esquecer o que estava sendo originalmente discutido”. [Storr, p. 50] É possível que Jung super compensasse as críticas de uma falta de “rigor científico” produzindo tomos eruditos e pesados. Mas é igualmente possível que Jung tivesse como objetivo intimar os leitores a aceita-los pelo simples volume do trabalho, o que cheguei a chamar de efeito do Herr Doctor Professor. Quando se lê uma grande quantidade de Jung, como fiz na preparação deste livro, é difícil evitar a sensação de que ele é compelido a lembrar repetidamente a seus leitores que é de fato - e que não deixa dúvidas a esse respeito - um cientista. Não se pode deixar de suspeitar que não estava tão certo disso quanto dizia estar e que uma das pessoas a quem estava tentando convencer era ele próprio. - Jung, o místico: a dimensões esotéricas da vida e dos ensinamentos de C. G. Jung: uma nova biografia. - Gary Lachman. SP. Cultrix, 2012, p. 13-15
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Metamorfoses e símbolos como misticismo solar Não é difícil ver como o livro de Jung se tornou leitura recomendada entre os cultistas volkisch ou os adoradores asconianos do sol: quase todas as páginas continham referências ao misticismo solar e à conexão dele com a mitologia mundial e a sexualidade. A mistura do culto do sol com a nova ética de liberdade sexual era uma beberagem bem ao gosto dos asconianos, sedentos de legitimação por aquelas autoridades médicas ou eruditas que eles tanto alegavam desprezar. Essas referências solares se tornavam mais frequentes a partir do capítulo “A canção da mariposa” (na parte 1), em que Jung interpretava um poema romântico da srta. Miller intitulado “Da mariposa para o sol”. [Jung, CW B, p. 76-7] Jung dizia que nesse poema, “o anseio da autora por Deus lembra o anseio da mariposa pela ‘estrela’”. [ibidem, par. 145] Então, de um modo que se assemelhava à metodologia da mitologia solar de Muller, Jung relembrava ao leitor que “no capítulo precedente se aduziu a seguinte cadeia de associações: cantor/deus do som/estrela matutina cantante/criador/deus da luz/sol/fogo/deus do amor”. [ibidem, par. 149] (...). A ressonância com o neopaganismo volkisch da época se fazia acompanhar do uso de terminologia psicanalítica: No segundo poema em que é exposto claramente, esse anseio não é de forma alguma pelo sol terrestre. Como o anseio se distanciou do objeto real, seu objeto se tornou antes de tudo um objeto subjetivo - no caso, Deus. Mas, psicologicamente, Deus é o nome de um complexo-representação que se agrega em torno de um sentimento forte (o conjunto da libido). O sentimento é o que, estritamente, dá caráter e realidade ao complexo. Os atributos e símbolos da divindade devem necessariamente pertencer de forma consciente ao sentimento (anseio, amor, libido, e assim por diante). Se reverenciamos Deus, o sol ou o fogo, então reverenciamos nossa própria força vital, a libido. É como diz Sêneca: “Deus está perto de ti, está contigo, está em ti”. [Ibidem, par. 150] Aqui, Jung oferecia o termo psicológico libido como substituto místico de força vital ou mesmo Deus. (...). Como ficava claro nas muitas declarações de Jung em Metamorfoses e símbolos, ele achava que nos cultos-mistérios do mundo helenístico a experiência central de transformação envolvia justamente tal processo ou experiência de auto deificação. (...). Trazendo para o presente a experiência de tornar-se uno com Deus, Jung explicava: “A identificação com Deus acarreta necessariamente o incremento do significado do poder do indivíduo”. Essa identificação, porém, seria apenas uma defesa contra “a grande fraqueza e insegurança [do indivíduo] na vida real. Essa enorme megalomania tem, portanto, um fundo de verdade deplorável”. [Jung, CW B, par. 152] Por todo o capítulo “A canção da mariposa”, e aliás por todo o restante do livro, Jung unia vertiginosamente, numa cadeia de equivalências associativas, os seguintes elementos: o sol/o falo/resplendor/deus/pai/fogo/libido/força e calor fecundos/herói. Para apoiar conclusivamente seu argumento, mencionava o famoso caso do “Homem do Falo Solar”, um indivíduo que estava internado no Burghozli e tinha alucinação (ou talvez delírio) de que um tubo fálico pendia do sol e de que tal tubo produzia o vento. [ibidem, par. 173-5] O caso (descoberto por J. J. Honegger, um assistente de Jung) era o exemplo perfeito de sua argumentação no livro e um símbolo de sua tentativa de unir psicanálise solar e mitologia solar. (...)... O restante da parte 2 era essencialmente uma exposição sobre o herói e o tema do sacrifício. (...). Na parte 2 Jung introduzia sua interpretação da ópera wagneriana, com Siegfried e Cristo igualados como heróis solares, “filhos renascidos” e deuses que se deram em sacrifício. [Jung, CW B, p. 335-41] Também eram igualados a Mitra, divindade solar de um culto-mistério helenístico. Homans foi talvez o primeiro a perceber por completo as implicações anticristãs de Metamorfoses e símbolos da libido: O núcleo intelectual desse livro não é a teoria revista da libido, nem a interpretação junguiana das fantasias de Miller, nem mesmo suas análises das mitologias. É antes o destino do cristianismo à luz da modernidade e, em particular, da nova ciência da psicanálise. A teoria junguiana da libido pode ter sido um afastamento em relação a Freud, mas ainda constituía uma visão não cristã e temporal do presente. [Homans, Jung in context, p. 67. A linguagem de Homans é mais forte em outro trecho: “Ainda assim, Símbolos de transformação era uma tentativa de dar conta dos dois modos de experimentar a religião, assimilando em grau limitado o modo pessoal e repudiando energicamente o modo tradicional”. (p. 130)] De que modo Jung repudiava a ortodoxia cristã em Metamorfoses e símbolos? A resposta talvez possa ser encontrada em suas ideias sobre o mitraísmo, que permeiam o livro todo. (NOLL, 1996, p. 131-33, p. 135 e p. 370)
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Em 1928, Jung introduziu a noção de “personalidade mana” para descrever o que, essencialmente, era o mesmo conceito. Entretanto, as forças sobrenaturais por trás da personalidade são, naturalmente, os arquétipos do inconsciente coletivo. (...). (Noll, 1996, p. 20) Sobre a “personalidade mana”, Noll: Trata-se de uma ampla revisão do fecundo ensaio de 1916 cuja terceira versão (ainda maior) foi publicada como “The relations between the ego and the unconscious” (1928), em “Two essays on analytical psychology” (CW 7; Princeton, Princeton University Press, 1966). Entretanto, já em 1917 Jung introduzira o protótipo desse conceito, com a ideia de que a imagem de um “demônio magico” é às vezes projetada no médico pelo paciente. “A imagem desse demônio é o mais elementar conceito de Deus. É o dominante do feiticeiro tribal primitivo, ou de uma personalidade particularmente dotada de poderes mágicos”. (Jung, The psychology of unconscious process, em Collected papers on analytical psychology, 2. ed., ed. and trans. Constance Long; London, Baillière, Tindall & Cox, 1920). (Noll, 1996, p. 333). A principal obra de Max Weber (1864-1920) sobre a sociologia da religião, em que se discute a natureza do líder carismático, já estava bastante acessível desde 1922, e é de admirar que Jung não desse a Weber o crédito por esse conceito, ainda que talvez tenha posteriormente baseado seu conceito de “personalidade mana” no “líder carismático” de Weber. Não há registro de um contato direto entre Weber e Jung, embora Jung possa ter conhecido Marianne Weber, mulher de Marx, quando participou como orador convidado da organização cristã alemã Die Kongener, na década de 30. (...). (Noll, 1996, p. 20 e p. 333) “Mana” é um termo melanésio que Jung adotou em vários pontos de sua obra para indicar o poder pessoal excepcional ou o poder sobrenatural emanado de espíritos ou objetos sagrados. - Jung, o místico: a dimensões esotéricas da vida e dos ensinamentos de C. G. Jung: uma nova biografia. - Gary Lachman. SP. Cultrix, 2012, p. 255
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@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
..., em suma, seu bom e velho conselheiro, à imagem de Filemon, que Jung menciona em sua autobiografia, velho sábio gnóstico emerso de seus sonhos, interlocutor destruidor de solidão e confidente generoso, espécie de guru invisível que criou para si mesmo para as necessidades de seu próprio guiamento por meio de uma floresta de arquétipos inquietantes e de demônios particulares... Pois, ao lançar os fundamentos de sua psicologia das profundezas, C. G. Jung avança sem proteção, ao correr todos os riscos da ruptura, da esquizofrenia, da patologia, ele toma o mesmo itinerário místico, muitas vezes tenebroso, de um Jean de la Croix recomendando: "Se você quer chegar aonde você não sabe, é necessário passar por onde você não conhece". E nisso Jung é um descobridor, um desbravador, um inventor, um explorador do interior que deu o primeiro passo - talvez o mais perigoso? - no novo continente do inconsciente coletivo. - Jung é a Aurora da Maçonaria: o pensamento junguiano na ordem maçônica. Jean-Luc Maxence, Madras, 2004, p. 31
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
... a abordagem maçônica de seus ascendentes muito o influenciaram em sua experiência tão pessoal do inconsciente. Aliás, C. G. Jung não esconde de forma alguma essa tutela da qual foi necessário se libertar, já que ele escreve em sua autobiografia: "Tenho a forte impressão de estar sob a influência (o itálico é nosso) de coisas e de problemas que foram deixados incompletos e sem respostas pelos meus pais, meus avós e meus outros ancestrais". Evidentemente, para edificar, pedra após pedra, ao longo de sua vida de pesquisa, sua psicologia das profundezas, incluindo processos de individuação, o psiquiatra de Zurique jamais ignorou os rituais maçônicos. Muitas vezes, ele buscou essa união sagrada com o Cosmos, que faz com que, por exemplo, o Primeiro Vigilante de uma Loja Simbólica diga: "Assim como o Sol nasce no Oriente para iniciar sua carreira e romper o dia...". Inegavelmente, C. G. Jung está bem próximo, por causa de seus parentes, poderíamos dizer, mesmo que ele faça poucas alusões a essas fontes, dos filhos da Luz, de suas circunvoluções, de seus Catecismos contendo um ensinamento simbólico inegável, que abrem o recipiendário a um longo processo de transformação individual, a uma paciente introspecção. Além do mais, ele sabe o que a Maçonaria deve à Alquimia. Ora, é justamente pela linguagem ancestral e simbólica da Alquimia que ele "ilustrará" seus diferentes conceitos de investigação das profundezas da alma. Para Jung, toda postura iniciática é gnóstica. É um avanço em direção ao conhecimento. (...). - Jung é a aurora da maçonaria: o pensamento junguiano na ordem maçônica. Jean-Luc Maxence. Madras, 2004. p. 41
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Mas não se pode apreender seu sentido [da maçonaria] sem evocar, entre outras raízes, a comunidade judaica dos essênios, seita secreta, se assim se pode dizer, e principalmente a corrente da gnose, que situava a si mesma acima das diferentes religiões, buscando decifrar sua significação esotérica. Essa corrente gnóstica, como veremos, também entusiasmou C. G. Jung, aliás, como mais tarde a Alquimia. De todo modo, o historiador não pode esperar avaliar, de maneira pouco holística, a contribuição da Maçonaria sem questionar suas inúmeras origens místicas. Do Egito antigo, caro a Christian Jacq, aos mistérios de Elêusis, passando pela Ordem de Pitágoras, pelo culto de Mitra, pela epopeia trágica da Ordem dos Templários, os rituais da Maçonaria sem dúvida se confundem com os das iniciações em geral; alguns não hesitam mesmo em evocar Adão e Eva! Evidentemente, não se deve hesitar em repetir que o simbolismo está presente em todos os lugares nesse labirinto e que a ideia de uma transmissão de segredos ocultos e essenciais ao longo das eras é sempre sugerida, induzida ou revelada. (...). Ora, na última fase de sua longa vida (ele morreu com 84 anos), C. G. Jung gostava de talhar e de esculpir a pedra, em Bollingen, como se assim se reconciliasse, ao final de seu trabalho imenso de pesquisa sobre a psique humana, com os símbolos maçônicos de seus ascendentes. Em 1950, quando já tinha mais de 70 anos, C. G. Jung esculpiu até mesmo uma pedra cúbica com todos os seus lados, e ali gravou as seguintes linhas: "Eis a pedra, de humilde aparência / No que diz respeito ao seu valor / ela é bem barata / Os imbecis a desprezam / Mas aqueles que sabem gostam ainda mais dela". Claro, poder-se-ia dissertar muito tempo sobre as diferentes pedras evocadas pela simbólica maçônica: pedra bruta, pedra oculta, pedra cúbica, pedra cúbica com ponta... sem esquecer a pedra filosofal dos alquimistas! (...). - Jung é a aurora da maçonaria: o pensamento junguiano na ordem maçônica. Jean-Luc Maxence. Madras, 2004. p. 48 e 55
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@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Honegger, o homem do falo solar, “origem” do inconsciente coletivo e delírios... Jung era um leitor insaciável, mas havia tanto a assimilar e ele tinha de cuidar de tantas outras coisas - esposa, família, os pacientes, as aulas na universidade, o trabalho para o movimento psicanalítico - que precisou de ajudantes. Um deles foi Sabina Spielrein; outro foi Johann Jakob Honegger. Como Sabina Spielrein e Otto Gross, Honegger foi outro indivíduo brilhante, mas instável, que passou a auxiliar Jung. O pai de Honegger - cujo nome também era Johann Jakob - fora médico do Burgholzli e, durante um período, seu diretor interino; infelizmente uma deterioração de seu cérebro levou-o à insanidade e ele acabou se tornando um paciente do Burgholzli, vindo a falecer aos 45 anos de idade. O próprio Honegger desenvolveu uma severa dependência da mãe e apresentava traços obsessivos e histéricos. Por fim, Honegger também sucumbiria à loucura; em 1911 ele cometeu suicídio com uma injeção letal de morfina. Como aconteceu com Sabina Spielrein e Otto Gross, o primeiro contato de Jung com Honegger foi como seus médicos; Honegger consultou Jung após um episódio de delírio durante o qual sinistramente se identificou com o pai e se mostrou determinado a se tornar psiquiatra. Jung reconheceu que os delírios de Honegger eram provavelmente incuráveis, mas sugeriu a análise como meio de protelar o inevitável. O interesse de Honegger pela mitologia, história e simbolismo sugeria que, como aconteceu com Sabina Spielrein, colocá-lo para trabalhar seria o melhor tratamento. Enquanto Jung estava nos Estados Unidos, Honegger ficou incumbido de se familiarizar com os estudos mitológicos da época e de observar um paciente por quem Jung ficara fascinado desde 1901, Emile Schwyzer, “o Homem do Falo Solar”. A tarefa de Honegger era reunir material suficiente sobre Schwyzer para elaborar uma dissertação. Schwyzer fora admitido na clínica em 1901, aos 40 anos de idade; antes disso havia sido internado em outras instituições durante vinte anos. Sofria de delírios de perseguição, megalomania e tinha tentado o suicídio. Sob muitos aspectos, Schwyzer era um caso típico, mas um delírio em particular chamou a atenção de Jung. Schwyzer sustentava que era capaz de controlar o tempo e, quando Jung perguntou como, ele explicou que o Sol tinha um enorme pênis e, quando ele o encarava com os olhos semicerrados e movia a cabeça de um lado para o outro, o pênis também se movia. Isso produzia o vento e, por meio dele, formava o tempo. Schwyzer usava uma estranha linguagem arcaica quando falava desse assunto; ela não tinha nenhuma relação com seu passado e Jung não conseguiu descobrir de onde Schwyzer tirou aquela ideia. Embora fosse capaz de aprender inglês e tivesse inclusive feito uma viagem a Londres - onde os delírios começaram -, Schwyzer viera de um ambiente pobre, inculto. Incapaz de pensamento logico, Schwyzer tinha, no entanto, um interesse pelos acontecimentos do momento e algum conhecimento de geografia; alguns de seus delírios envolviam figuras da realeza, como a rainha Vitória. Nada havia em seu passado sugerindo que Schwyzer tivesse algum conhecimento de mitologia ou interesse por ela, mas suas fantasias sobre o pênis do Sol sugeriam uma origem no mito ou folclore. Mesmo que [Schwyzer] tivesse se deparado com um livro sobre mitologia - o que parecia improvável, visto que nenhuma das clínicas onde estivera anteriormente possuíam bibliotecas para os pacientes e a família dele em Zurique não tinha o menor interesse por livros -, a incapacidade de Schwyzer em se concentrar lhe teria tornado difícil reter qualquer coisa que tivesse lido. Mas se não tirara a ideia de livros, de onde ela vinha? O próprio Jung tinha se deparado com uma referência a um falo solar em Eine Mithrasliturgie [Uma Liturgia de Mitra], de Albrecht Dieterich, e A Mithraic Ritual [Um Ritual Mitraísta], do estudioso teosófico G. R. S. Mead; também encontrara a ideia na pintura de um antigo desconhecido artista alemão, na qual um tubo desce do céu e lança para cima as abas do manto da Virgem Maria; o Espírito Santo sob a forma de um pombo voa sobre isso, fecundando-a (foi também mais ou menos nessa época que Jung se deparou com as referências às “pedras da alma”, já mencionadas, e reconheceu seu homúnculo como o deus grego Telésforo). Jung tinha instruído Honegger a registrar todas as divagações de Schwyzer, a reunir quaisquer desenhos que ele fizesse e a elaborar com esse material um ensaio que pudesse ser apresentado ao Segundo Congresso Psicanalítico Internacional, programado para se realizar em Nuremberg, em março de 1910. Jung incitou Honegger a trabalhar rapidamente. Já escrevera a Freud sobre o interesse que tinha pela mitologia e Freud também havia manifestado um interesse em estudá-la, presumivelmente para mostrar que também os mitos tinham sua origem no sexo. Como discípulo de Jung, Honegger confirmaria a liderança de Jung no estudo psicanalítico do mito, algo em que o próprio Freud estava se intrometendo. Seu ensaio indicaria a direção que o pensamento de Jung estava tomando. Em outras palavras, seria o primeiro passo para estabelecer a ideia do inconsciente coletivo (embora Jung ainda não usasse o termo); compreensivelmente Jung queria chegar lá primeiro. Contudo, embora brilhante e propenso a lampejos de gênio, Honegger, como Gross, era inconstante e Jung se queixou de que o caprichoso discípulo não estava correspondendo aos rigorosos padrões que estabelecera para ele. E quando Honegger finalmente apresentou seu materiais na conferência, teve um desempenho bastante incômodo. Fazendo eco a Otto Gross, Honegger não tentou esconder suas excentricidades; o ensaio foi “um pântano de confusão e angústia, às vezes uma mistura incoerente da voz do autor com as visões do paciente”, e sua conclusão era expressa numa “prosa truncada, arrogante, onipotente e paranoica” [Bair, p. 184. Devo este meu relato ao capítulo da sra. Bair sobre Honegger e Schwyzer]. Honegger terminava dizendo que apresentaria evidência conclusiva para suas afirmações num ensaio mais detalhado, mas não havia nenhum outro a caminho. Ele fugiu inesperadamente de Zurique logo após a conferência - outro paciente de Jung a se evadir - e o comportamento subsequente de Honegger, uma série de decisões erráticas e planos grandiosos, sugere que nenhum ensaio jamais foi escrito ou, se foi, não teria esclarecido grande coisa. Mas o desapontado Jung decidiu completar o trabalho que o assistente maníaco deixara por fazer [O espaço não me permite contar toda a história de Honegger; os leitores interessados podem encontrar um relato detalhado em Bair. Lá podem também encontrar uma avaliação imparcial dos argumentos pró e contra a ideia de que Jung roubou a obra de Honegger. Bair, eu acho, refuta a acusação de que Jung era um ladrão intelectual, mas os leitores podem tirar suas próprias conclusões. Ver também “Appendix: The Honegger Papers”, pp. 641-47.]. A ambiguidade que cercou o caso - alguns relatos apresentam Honegger fantasiando sobre o falo solar, outros apresentam Schwyzer contando a ele sobre isso, outros ainda apresentam Schwyzer contando a Jung - levou a acusações de que Jung “roubou” o trabalho de Honegger e que ideia do inconsciente coletivo foi proveniente dele, não de Jung. - Jung, o místico: a dimensões esotéricas da vida e dos ensinamentos de C. G. Jung: uma nova biografia. Gary Lachman. SP. Cultrix, 2012, p. 103-6 e p. 256
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@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
(...). Quem está familiarizado com a história do círculo de amigos de Freud sabe que, dentre os seguidores que expressaram pensamento independente, mais de um não acabou bem. Victor Tausk e mais tarde Herbert Silberer - cujos escritos sobre alquimia e psicologia antecederam por décadas os de Jung - cometeram suicídio ao serem excomungados por Freud por terem manifestado reservas sobre as teorias do mestre. Wilhelm Reich teve um esgotamento nervoso depois de ser rejeitado por Freud e também Jung atravessaria uma crise assim que o cordão umbilical psicanalítico fosse cortado. [Quando Freud se recusou a proporcionar a Reich sua “análise de treinamento” - um rito iniciatório para a prática da psicanálise, uma ideia que Jung foi o primeiro a propor - Reich teve um colapso nervoso que requereu hospitalização. Ver Colin Wilson, The Quest for Wilhelm Reich (Nova York: Anchor Pres, 1981), pp. 90-5; para Tausk, pp. 67-8; para Silberer, pp. 72-3] - Jung, o místico: a dimensões esotéricas da vida e dos ensinamentos de C. G. Jung: uma nova biografia. - Gary Lachman. SP. Cultrix, 2012, p. 91 e p. 255
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@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Na Turm, a torre que Jung ergueu, em 1923, em sua propriedade em torno do lago Zurique, havia em seu quarto uma grande pintura mural. Era retratava Filémon, a quem considerava seu “guia” no mundo dos espíritos. Foi por intermédio deste ente que ele diz ter recebido “inspiração” para seus conceitos dos arquétipos e do inconsciente coletivo (discutidos a seguir). A influência do espiritismo se manteve ao longo de toda a sua vida e ele participou de várias sessões paranormais. - “Ocultismo e religião em Freud, Jung e Mircea Eliade” - Mateus Soares de Azevedo; Harry Oldmeadow. SP. IBRASA, 2010. pp. 49-50
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@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
Veio a época do romantismo. Literalmente, essa mudança espiritual foi representada na Alemanha por Ernst Amadeus Hoffman, cujos contos fantásticos, mágicos, exerceram posteriormente grande influência sobre Sigmund Freud e C. G. Jung. Na Inglaterra, causava encanto Matthew Gregory Lewis, com seu romance O Monge, fascinando as massas: Mary W. Shellet criou “Frankenstein”, personagem conhecido até os nossos dias. Como seu romance, O Castelo Otranto, Horace Walpole criou o assim chamado romantismo negro. Em tudo imperava um clima espiritualista provocado pelo interesse pela magia e pelo ocultismo. (LEUENBERGER, 2014, p. 111)
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@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
(...) Por toda a longa vida de Jung, as pessoas se intrigaram com as implicações curiosamente magicas e esotéricas do seu trabalho. (...) Símbolos e imagens de venerável e obscuro poder foram ressuscitados da poeira de suas tumbas milenares. Hereges e alquimistas, místicos e magos, sábios taoístas e lamas tibetanos emprestaram os tesouros de suas buscas arcanas à bruxaria do moderno Hermes suíço. Findas estavam as preocupações... Como Vênus que emergiu da espuma do mar, ou Atena que nasceu da fronte de Zeus, os arquétipos surgiram da prima matéria do inconsciente coletivo. Os deuses, mais uma vez, caminhavam com os homens. Acima dessas águas primordiais de criatividade da psique movia-se o espírito de um homem, o gênio de Jung. (...) O analista tornou-se um hierofante dos mistérios, enquanto o paciente transformou-se no neófito ou discípulo. A doença revelou-se uma condição dividida ou incompleta, e a saúde, um estado de integridade espiritual. A psicologia analítica começou a aparecer como um diálogo entre o indivíduo e o universo, sem destruir a personalidade ou o ego, segundo a orientação de algumas teorias hindus e budistas. ...ele próprio tinha experiências estranhas e ocultas, via fantasmas e consultava oráculos. Foi somente após a morte de Jung, em 1961, ...uma contínua corrente de revelações cada vez mais arrojadas começou a verter das penas de seus discípulos e de divulgações póstumas de notas e cartas do próprio Jung. ...entre 1912 e 1917 Jung passou por um intenso período de experiências que envolveram um enorme afluir, em sua consciência e a partir de seu interior, de forças que ele chamou de arquetípicas, mas que, em épocas precedentes, teriam sido julgadas como divinas ou demoníacas. Jung confidenciou a respeito dessas experiências a vários de seus colegas, mas indubitavelmente experimentou muito mais do que o que revelou e, de fato, mais do que algum dia se revelará. O grande pesquisador costumava chamar essas experiências, ou melhor, esse ciclo de experiências, como sendo o seu Nekyia, utilizando o termo com que Homero descreveu a descida de Ulisses ao Hades. (...)...somos tentados a dizer que Jung, à maneira de outros magos do passado, passou por experiências pertencentes às categorias da Invocação Teúrgica de Deuses e da Evocação Goética de Espíritos, tendo guardado um “registro mágico” de cada uma. ...sua verdadeira importância só se revela quando compreendemos haver evidência de que grande parte de seu trabalho científico, se não a totalidade, pode basear-se em revelações visionárias. ..., mas compunham-se de experiências que ele realizou em seu mundo secreto, ricas regiões ocultas de seu inconsciente mais profundo. (...). Seu trabalho científico jamais representou um comportamento de sua existência que fosse ou pudesse ser separado de sua vida profética e mística; os dois estavam intrincada e inexoravelmente inter-relacionados. O Jung místico guiava e inspirava o Jung cientista, enquanto o médico e o psicólogo proporcionavam equilíbrio e bom senso para estabilizar e tornar práticas as mensagens dos deuses e dos demônios arquetípicos. Assim foi concebido e executado o memorável trabalho de Jung. (...). A literatura que continha as experiências originais de Jung quanto ao inconsciente no período de sua grande transformação nunca foi por ele colocada à disposição do público. A atitude de seus herdeiros parece ser, no mínimo, ainda mais reservada a esse respeito do que a do próprio Jung. No momento da redação destas palavras (1982), parece que qualquer esperança ou expectativa que se possa alimentar com respeito à publicação deste material não será consumada por algum tempo ainda. Portanto, restam-nos os trabalhos científicos de Jung e muito pouco mais. Entretanto, na categoria desse mais encontramos pelo menos um documento realmente importante, que nos revela muito sobre as fontes da psicologia de Jung. Trata-se de uma pequena obra, pouco mais que uma diminuta monografia, embora o significado de seu conteúdo possa facilmente elevá-la a um item da maior importância no estudo da mensagem e da missão de Jung. Esta obra é conhecida como “Os Sete Sermões aos Mortos”. Carl Jung permitiu a publicação de apenas uma fração do vasto material arquetípico que escreveu sob misteriosa inspiração do início da carreira. Este foi escrito num curto período, entre 15 de dezembro de 1916 e 16 de fevereiro de 1917. De acordo com declarações em seus fragmentos autobiográficos, Jung concluiu-o em três noites. A produção desse pequeno livro foi precedida por eventos estranhos e esteve repleta de fenômenos de natureza parapsicológica. Primeiro, vários filhos de Jung viram e perceberam entidades fantasmagóricas na casa, enquanto ele próprio sentiu uma atmosfera ameaçadora à sua volta. Uma das crianças teve um sonho de tom religioso um pouco ameaçador, envolvendo um anjo e um demônio. Podia-se vê-lo movendo-se freneticamente, mas não havia ninguém à vista que fosse responsável pelo ato. Uma multidão de “espíritos” parecia encher a sala, na verdade a casa, e ninguém podia respirar normalmente no vestíbulo infestado de fantasmas. O Dr. Jung gritou com voz perturbada e trêmula: “Em nome de Deus, o que significa isso?” A resposta veio num coro de vozes fantasmagóricas: “Voltamos de Jerusalém, onde não encontramos o que buscávamos”. Com estas palavras começa o tratado, que se intitula em latim Septem Sermones ad Mortuos, e então continua em alemão com o subtítulo: “Sete exortações aos mortos, escritos por Basílides de Alexandria, a cidade onde Oriente e Ocidente se encontram”. Uma leitura, mesmo superficial do tratado, mostra que ele foi escrito de acordo com o gnóstico do século II e utiliza livremente a terminologia daquela época. O próprio subtítulo releva o nome do famoso sábio gnóstico Basílides que ensinou em Alexandria no Egito helenístico, por volta dos anos 125-140 d.C. De fato, Jung parece atribuir a autoria do próprio documento a Basílides, sugerindo assim a algumas pessoas um elemento de mediunidade e (ou) escrita automática. Nesse sentido, deve-se lembrar que, por muitos séculos, foi comum autores de literatura de caráter espiritualista não assinarem seus nomes nessas obras, mas, ao contrário, atribuí-las poeticamente a alguém que consideravam ocupar uma posição superior à sua. Assim, atribui-se ficticiamente o célebre Zohar da literatura cabalística ao rabino Shimon Ben Jochai, quando seu verdadeiro autor é desconhecido. É bem provável que C. G. Jung tenha utilizado esse antigo exercício de humildade poética ao tomar o nome de Basílides como autor dos Sermões. Entretanto, o elemento parapsicológico contido nos fenômenos que envolvem a escrita do tratado foi espontaneamente reconhecido e enfatizado por Jung, a ponto de aplicar-lhe as palavras de Goethe, na segunda parte de Fausto: “Ele caminha por toda parte, está no ar!” Uma coisa é certa: trata-se de um trabalho incomum, escrito em circunstancias das mais incomuns. Desde o princípio de sua carreira psicanalítica até a morte, Jung manteve um vivo interesse e uma profunda simpatia pelos gnósticos. (...). Não lhe faltava literatura capaz de estimular seu interesse pelos gnósticos, porque os eruditos do século XIX na Alemanha (embora quase que em nenhum outro país) devotavam-se diligentemente aos estudos gnósticos. Em parte como reação contra a rigidez da Alemanha bismarckiana e a seus efeitos conformistas, tanto teológicos como intelectuais, inúmeros eruditos excelentes (Reitzenstein, Leisengang e Carl Schimidt, entre outros), além de poetas e escritores criativos (Herman Usner, Albrecht Dieterich), e, pelo menos, alguns membros da intelectualidade francesa (M. Jacques Matter, Anatole France) investigaram a tradição gnóstica. Todos os biógrafos de Jung mencionam seu profundo interesse por assuntos gnósticos. Uma das declarações mais reveladoras a esse respeito é citada por uma de suas ex-colaboradoras, Barbara Hannah, que lhe reproduz as palavras sobre os gnósticos: “Senti como se finalmente tivesse encontrado um círculo de amigos que me entendessem”. A mesma biógrafa também ressalta que Jung desenvolveu um interesse por Schopenhauer justamente porque o grande filósofo alemão lembrava-lhe os gnósticos e a ênfase que colocava no aspecto do sofrimento do mundo; além disso, ele aprovava de todo o coração o fato de Schopenhauer “não falar da providência onisciente e todo-misericordiosa de um Criador, nem da harmonia do cosmo, mas ter afirmado abertamente que uma falha fundamental subjazia ao triste curso da história humana e à crueldade da natureza; a cegueira da Vontade criadora do mundo...” Que essas são afirmações completamente gnósticas não é preciso dizer. Como seu interesse por Schopenhauer remonta à infância, podemos considerar Jung, sob muitos aspectos, como um gnóstico “natural”, possuidor de uma postura gnóstica mesmo antes de familiarizar-se com alguns dos ensinamentos do gnosticismo. (...)...muitos dos seguidores de Jung, e ocasionalmente o próprio Jung, negaram que ele fosse um gnóstico. Um exemplo bem típico dessas evasivas foi a declaração de Gilles Quispel, segundo a qual “Jung não era um gnóstico no sentido comum do termo”. Por outro lado, é muito duvidoso que jamais tenha havido um único gnóstico no sentido comum do termo. O gnosticismo não constitui um conjunto de doutrinas, mas a expressão mitológica de uma experiência interior. (...). A Gnose de Jung - Stephan A. Hoeller
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
“Afinal, a preocupação do médico deve ser o doente, e não o curado.” - JUNG, C. G. A prática da psicoterapia (O.C.XVlI). Petrópolis: Vozes, 1981, p. 14 (par. 21).
@claret-yx9ii
@claret-yx9ii 3 жыл бұрын
..., é preciso lembrar que informações importantes sobre Jung foram por muito tempo omitidas, com as várias sessões mediúnicas das quais ele participou entre 1920 e 1923 e o que teria sido o seu maior sonho (ou transe) em que ele se sentiu transformado no deus Mitras, fatos só divulgados após 1980. Essas histórias geraram acusações posteriores de que ele estaria tentando fundar um culto. (...). É um pouco difícil definir as dimensões exatas dessas influências, mas o ocultismo e as ideias de um retorno a uma religião anterior ao Cristianismo certamente estão presentes nas divagações da chamada volkisch kultur, a cultura popular germânica da época. A onda orientalista, que surgiu a partir do movimento hippie dos anos 60, foi um movimento difuso, populista, liberal, não hierarquizado, repleto de cores, danças e incensos. Mas a onda orientalista esotérica que varreu a Europa dos meados do século XIX ao início do século XX - teosofia, antroposofia e outros - teve um caráter diferente, dual. Mas foi principalmente um orientalismo conservador, elitista e hermético. Algumas formas , contudo, atingiram um público não convencional e passaram a integrar o circuito de contracultura de Schwabing-Ascona, de 1880 até 1920, que foi o equivalente do movimento hippie dos anos 60 do século XX. Schwabing era o bairro boêmio de Munique e Ascona, na Suíça, o ponto de encontro dos jovens adeptos do amor livre, das drogas e dos cultos à naturea, para o que naturalmente ajudava muto que a polícia suíça fosse mais tolerante que a alemã. Jung, certamente, esteve em contato com alguns desses elementos, diríamos hoje, alternativos, porque muitos acabavam internados, provavelmente por consumo excessivo de drogas, no hospital psiquiátrico de Burgholzli, onde ele clinicava como psiquiatra. Essa contracultura teve uma estranha combinação de elementos: o orientalismo, o culto à natureza e ao sol da pátria, o povo como identidade mítica, a mitologia germânica como fonte de inspiração, a paixão pelos acampamentos ao ar livre e cânticos em torno de fogueiras, elementos que o nazismo soube muito bem explorar. Como a mitologia germânica ficou fora de moda por causa da sua adoção pelo nazismo, hoje em dia nossos esotéricos apelam para a mitologia céltica, que não tem essa vinculação, embora aparentada e continuam das danças sob o céu estrelado, as túnicas brancas, o culto à Lua. Sai Wotan, entram os druidas. (...). Deve-se registrar também que Jung foi acusado de simpatia pelo nazismo, pois em alguns de seus escritos nota-se alguma velada admiração pelo mesmo, essencialmente pelas forças míticas desencadeadas, postura que ele abandonou a partir de 1938, horrorizado com os rumos que as coisas tomaram. Mas a sombra ficou, ...(...). Criados de um modo extremamente personalista, abusivamente abrangentes, muito marcados pelo contexto específico de uma época, a modernidade, e de uma cultura eurocêntrica, utilizaram métodos de divulgação e conversão semelhantes a movimentos políticos ou seitas. (...). No modo pragmático e imediatista atual, as pessoas estão mais preocupadas com soluções do que com interpretações e, portanto, são tempos de crise para a psicologia profunda. Esta crise não deriva de que a psicanálise esteja certa ou erada, mas da incapacidade de uma fórmula, tão vinculada à modernidade, se manter dominante em um mundo pós-moderno, no qual o contexto não lhe é absolutamente favorável. A psicologia analítica só não foi tão atingida porque inclui elementos que são especialmente caros ao pensamento contemporâneo, como a questão espiritualista, da qual James Hillman tentou, sem sucesso, se libertar. Andrew Samuels distingue, com fina ironia, quatro tipos de analistas junguianos: o fundamentalista, que se orienta rigorosamente pela vida e obra de Jung; o clássico, ligado às ideias pessoais de Jung, mas com uma visão crítica. O desenvolvimentista, que associa a psicologia analítica com estudos freudianos sobre o desenvolvimento da criança e do adolescente. Finalmente, o chamado psicanaliticamente orientado, que valoriza a transferência como o problema maior e, neste caso, a diferente entre esse modelo e a psicanálise ortodoxa freudiana cai quase a zero. O caminho de Jung” - George Borten. Belo Horizonte, 2001, p. 29-34