Рет қаралды 25,220
"O Béco [apelido de infância de Ayrton] significava para eles: o xodó, o filho vitorioso, o arrimo, o eixo, quase a motivação de cada uma daquelas vidas. "
Trecho extraído do livro "Caminho das Borboletas" de Adriane Galisteu
Para nós (Ayrton e Adriane), o que Angra era no Brasil, o Algarve era na Europa. Há dois anos e meio Ayrton fazia daquele cantinho ensolarado do sul de Portugal o seu mix de refúgio e escritório ao longo de toda a temporada europeia - que, com uma ou outra alteração de calendário, coincidia com o período mais agradável de final de primavera, verão e comecinho de outono. De mais a mais, as férias escolares brasileiras, em julho, sempre davam chance para que a família, ou parte dela, se achegasse - como aconteceu em 1993. Pude curtir meus primeiros momentos de verdadeira intimidade com a Zaza, mãe dele - a quem eu ainda tratava pelo cerimonioso "dona Neide". Intimidade é isso: café da manhã juntas, preparar na cozinha uma comidinha especial para o filho, sair às compras com ela e a Juraci, a caseira. Viver essas coisas banais do cotidiano. Viviane, a irmã mais velha de Ayrton, apareceu com as meninas, Bia e Paulinha. Bruno ficou com o avô na fazenda de Tatuí, treinando no seu kart.
Pude sentir, nas palavras trocadas à mesa ou à beira da piscina, o que o Béco significava para eles: o xodó, o filho vitorioso, o arrimo, o eixo, quase a motivação de cada uma daquelas vidas. Uma mulher a mais, uma namorada, seria sempre uma ameaça à ordem natural da rotina familiar, um perigo. Namoradinha, que fosse - mas que não passasse daí. Isso eu vejo agora. Não pela cabeça naqueles dias, naquelas semanas. Eu só sabia repartir com eles, o Béco e a família, coisas boas.
Por exemplo, a vontade súbita de fazer umas comprinhas em outras cidades da Europa. O jato do Béco estava quase sempre disponível, nos intervalos entre as provas e lá fomos nós, a mãe, a irmã e as crianças para uma temporada de aquisições em Londres. Sendo que, uma tarde, saindo só nós duas, Bia e eu, ela simplesmente evaporou, dentro da Harrods. Eu, desesperada, descabelada, procurando. Nada. Perguntei por ela, no meu inglês estropiado. Nada. Fui até a porta. Nada. Meu desespero me obrigou a uma última saída:
- Biiiiaaaaaa!
Dei um berro que toda a gigantesca loja de departamentos ouviu.
Inclusive ela, ainda bem. Calmamente, experimentava roupa num daqueles provadores.
Próxima escala: Paris. Desembarcamos no hotel e saímos em disparada, à procura de um táxi. Estava tudo estranhamente calmo. O porteiro nos deteve:
- Mesdames, vocês sabem que dia é hoje?
14 de julho, feriado nacional. Tudo fechado. E só tínhamos mais um dia. Saímos assim mesmo, lambendo as vitrines. Conseguimos descobrir duas lojinhas antipatrióticas: uma de perfumes, outra de cristais.
Béco foi nos encontrar lá, já a caminho dos testes do GP da Alemanha. Abriu nossos quartos e quase desmaiou:
- Vocês estão malucas?
Teve a pachorra de contar: 38 malas, para quatro mulheres. O paciente Mahonney conseguiu acomodá-las, todas, no avião. Posou, antes, para uma foto que mostrasse toda aquela bagagem. Simpaticíssimo personagem, do qual sentirei falta, o Mahonney. Lembro-me de que ele reclamava apenas de uma coisa: de tão próximo do Béco, nunca ninguém se lembrara de fotografá-los juntos, piloto e piloto. Soube, aliviada, que às vésperas do acidente fatal em Ímola a foto foi feita.