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André Martins é professor do Núcleo de Ética Aplicada (NUBEA) da UFRJ e dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia (PPGF-UFRJ) e Bioética e Saúde Coletiva (PPGBIOS-UFRJ/FIOCRUZ/UFF/UERJ), Doutor em Filosofia pela Université de Nice, Doutor em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, com pós-Doutorado sênior em Filosofia pela Université de Provence.
O que chamo de filosofia da mente em Spinoza demonstra que percebemos o mundo ao formarmos imagens dos objetos e dos ambientes com os quais nos relacionamos. Essas imagens não são figuras, mas impressões, que deixam marcas, e deixam marcas porque nos afetam. O afeto, o sentimento, é o resultado do que nos afeta, ou seja, não existem enquanto tal, são efeitos em nós. Spinoza os define como uma modificação do corpo e sua ideia, ou seja, o afeto, segundo nos faz ver Spinoza, é um modo do pensar, um pensamento. Não só pensamos porque nos afetamos, como o próprio afeto é já um pensamento. Em outras palavras, estamos sempre associando imagens, e tanto a formação de imagens como suas associações em nossa mente, são sentidas. Há afetos que aumentam nossa potência de ser e de pensar, nossa potência de agir, causando alegria, e outros que a diminuem, causando tristeza. Mas há duas qualidades diferentes de alegria, as ativas, que expressam nossa própria potência, e as passivas, que são reativas. Essa diferença é muito, mas muito mais importante para entendermos a psicodinâmica de nossos afetos e de nossa vida, do que a diferença entre alegria e tristeza. Além do mais, sublinha Spinoza, há alegrias (passivas) que são ruins para a pessoa, e tristezas que podem ser boas. Um Spinoza trágico surge de uma leitura atenta, que não o toma como objeto de projeção das filosofias metafísicas que ele próprio critica. É uma reforma do pensamento que pode tornar o conhecimento do real o mais potente dos afetos.
Módulo O poder dos afetos - uma visão filosófica e psicanalítica, de André Martins
Qual a importância do autoconhecimento de nossos afetos, de como eles funcionam em nosso psiquismo singular? Estamos em contato direto com todo tipo de emoção em nosso dia a dia, seja no trânsito, nas redes sociais, nos entretenimentos ou em nossas relações pessoais. O que anda à flor da pele? Que tipo de afeto nos move? E quais nos paralisam? Como lidar melhor com os afetos em nossa vida, favorecendo o bem-estar psíquico, a criatividade, o amor à existência, e a vontade de seguir em frente na busca de realizações? É possível entender aquilo que nos entristece e que retira a nossa energia, transformando-o assim em força para o contrário?
Afetos não são sentimentos que existem em algum lugar em um mundo das ideias, aos quais acessamos de maneira mais plena ou menos inteira. Afetos são maneiras de se afetar. Interagimos no mundo, com os outros, com os ambientes, com os acontecimentos, e sentimos porque nos afetamos. É impossível não nos afetarmos, pois é impossível não interagirmos com nosso entorno, que afinal de contas nos constitui, nos dá contorno, e a partir do qual nos moldamos. Existem três autores em particular, nomes maiores da história do pensamento, que nos oferecem ferramentas conceituais que esclarecem de maneira luminosa o funcionamento de nossos afetos, nossa psicodinâmica. Spinoza, um pensador de vanguarda hoje, no século XXI, mesmo tendo escrito no século XVII, nos mostra que só conhecemos porque nos afetamos e através dos afetos, e que o próprio afeto é um pensamento. Winnicott, no século XX, nos faz ver, também de maneira inequívoca, o quanto nossas experiências na primeira infância com nosso ambiente inicial, a começar pelo núcleo familiar, constrói uma base para bons e maus afetos. No século XIX, Nietzsche dinamita a quimera da filosofia metafísica, expondo a ferida aberta de que a epistemologia que separa mundo sensível de mundo inteligível e deprecia a corporeidade e os afetos nada mais é do que um sintoma afetivo - que Winnicott entenderá como uma defesa psíquica, e Spinoza nomeará delirium.
Neste módulo, que comemora o 20º aniversário do Café Filosófico, trazemos quatro pesquisadores e pensadores que trabalham com Spinoza e com Winnicott, se valendo também de Nietzsche, para analisar o poder dos afetos. Dos afetos negativos, que nos tiram a potência de agir - ressentimento, culpa, ódio, medo, angústia… que levam à drogadição e à depressão, por exemplo. Dos afetos positivos, que aumentam nossa potência de agir - alegrias ativas, paixão como entusiasmo, amizade… que trazem a criatividade, a força afirmativa da vida em suas dores e delícias, a inspiração.
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