Desejo sucesso a nossa irmã Tina. Encorajo a aproveitar essa exposição para elucidar sobre a cultura angolana. Se aprofundar alguns detalhes, melhor ainda. Vale dizer ao apresentador que certos termos são usados nas línguas angolanas de um jeito, mas podem ser diferentes em outros países do continente. Apesar de haver muitas línguas de raíz comum, há derivações que as levam para outras palavras. Muitos pensam que África é um país, por isso, cria sempre confusão na compreensão das diferentes palavras, costumes e culturas. Os africanos, desde antes de Cristo, foram ligados aos seus ancestrais, sendo esses a quem se pede proteção e benção. Por isso, os tios da nossa irmã Tina a tratam como se ela fosse a chefe da família; acrescendo o facto de ela ser mulher, porque a as culturas africanas, antes das invasões ocidentais e islâmicas, eram de linhagem matriarcal. As mulheres sempre foram as líderes. Após as colonizações europeias e islâmicas de muitos países do continente ( são 54), entrou o patriarcado, colocando o homem no centro de tudo. Na religião, passou a haver esse sincretismo, entre as formas cristãs, islâmicas e a espiritualidade originária africana. As autoridades tradicionais, que o apresentador chamou de pajé (líder nas culturas ancestrais do Brasil), são tratados com termos diferentes, dependendo do grupo a que pertencem. Apesar de a maioria, em Angola, os chamar de "sobas", na verdade, não é um adjectivo comum a todos os líderes. Por exemplo, na cultura dos ambundo, os povos que falam a língua kimbundo, originários dos império do Ndondo, cujos reis eram os Ngola, de onde derivou o nome Angola, numa adaptação que os portugueses fizeram, acrescendo a letra A, usa-se o termo Ngana. Inclusive as roupas dos líderes de cada grupo, bem como os totens que exibem são diferentes. Há os Somas, entre os Ovimbundos, os que falam a língua humbundo, povos do reino do bailundo, de onde, provavelmente se origina a família da nossa irmã Tina, por ser da província de Benguela, porque esse reino abrangia as actuais províncias do Kwanza Sul, Benguela, Huambo e partes da Huila e Bié. No Leste, entre os Nganguela, esses líderes chamam-se Muene e ai vai, dependendo de cada povo e sua língua. Sobas são os que serviam os portugueses. Soba é um termo que surge com a colonização, quando os portugueses, influenciavam certos senhores a controlar as comunidades do interior em nome dos seus interesses. Por isso, os sobas usam roupas que se parecem a agentes da polícia, apesar de ser de cor diferente. Angola foi uma aglutinação de vários povos, feita, forçosamente, pelos portugueses, como consequência da partilha de África , entre as potências invasoras que se reuniram de 1884 a 1885, na conferência do Congo, conhecida como Conferência de Berlim. Ao juntar impérios e reinos diferentes, criou-se uma pseudo nação, onde todos foram obrigados a falar português, professar o cristianismo e deixar de se manter na sua cultura. O assimilacionismo imposto pelo colonizador gerou o sentimento de auto ódio, auto negação( cor, cabelo, cultura) ,fortaleceu a ideia de que tudo que vem do ocidente é melhor que o nosso. Como consequência, a maioria dos cidadãos cresceu com pouca informação sobre a sua história. Por isso, às vezes, confundem-se certas narrativas. O conceito de etnia e de clã são ofensivos para retratar grupos diferentes; são construções pejorativas. OBS: as palavras ambundo, Ngola, Ovimbundo e outras que são antecedidas de um artigo no plural não estão mal escritas; trata-se da sua forma original, nas línguas angolanas, que não seguem a mesma lógica que a da língua portuguesa, que define o plural pela letra S no fim da palavra.