Maria Elisa interpreta "Mineirinho", de Clarice Lispector

  Рет қаралды 19,263

Filosofia Pop

Filosofia Pop

Күн бұрын

Saiba mais em: filosofiapop.c...
Maria Elisa interpreta "Mineirinho", de Clarice Lispector

Пікірлер: 45
@HenriqueSantos-sb3ic
@HenriqueSantos-sb3ic 4 жыл бұрын
Essa crônica se baseia e resume em uma única palavra, empatia!
@carlamonicaquintino7828
@carlamonicaquintino7828 3 жыл бұрын
Mineirinho É, suponho que é em mim, como um dos representantes do nós, que devo procurar por que está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irre­dutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria: “O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no céu”. Respondi-lhe que “mais do que muita gente que não matou”.Por que? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim. Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina - porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro. Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos. Até que treze tiros nos acordam, e com horror digo tarde demais - vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu - que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva. Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. Como não amá-lo, se ele viveu até o décimo-terceiro tiro o que eu dormia? Sua assustada violência. Sua violência inocente - não nas conseqüências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta. Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estre­meça. A violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança, pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus olhos surpreendidos se erguessem e enfim se enchessem de lágrimas. Só depois que um homem é encontrado inerte no chão, sem o gorro e sem os sapatos, vejo que esqueci de lhe ter dito: também eu. Eu não quero esta casa. Quero uma justiça que tivesse dado chance a uma coisa pura e cheia de desamparo em Mineirinho - essa coisa que move montanhas e é a mesma que o fez gostar “feito doido” de uma mulher, e a mesma que o levou a passar por porta tão estreita que dilacera a nudez; é uma coisa que em nós é tão intensa e límpida como uma grama perigosa de radium, essa coisa é um grão de vida que se for pisado se transforma em algo ameaçador - em amor pisado; essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal, é a mesma que em mim faz com que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei o que é sede; e também eu, que não me perdi, experimentei a perdição. A justiça prévia, essa não me envergonharia. Já era tempo de, com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porque adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime. Continuo, porém, espe­rando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de outro homem. E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta tran­cada. Mas ela está de pé, e Mineirinho viveu por mim a raiva, enquanto eu tive calma. Foi fuzilado na sua força desorientada, enquanto um deus fabricado no último instante abençoa às pressas a minha maldade organizada e a minha justiça estupidificada: o que sustenta as paredes de minha casa é a certeza de que sempre me justificarei, meus amigos não me justificarão, mas meus inimigos que são os meus cúmplices, esses me cumprimentarão; o que me sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranqüila e que outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e que nada há a fazer. Tudo isso, sim, pois somos os sonsos essenciais, baluartes de alguma coisa. E sobretudo procurar não entender. Porque quem entende desorganiza. Há alguma coisa em nós que desorganizaria tudo - uma coisa que entende. Essa coisa que fica muda diante do homem sem o gorro e sem os sapatos, e para tê-los ele roubou e matou; e fica muda diante do São Jorge de ouro e diamantes. Essa alguma coisa muito séria em mim fica ainda mais séria diante do homem metralhado. Essa alguma coisa é o assassino em mim? Não, é desespero em nós. Feito doidos, nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de radium se incendiara. Mas só feito doidos, e não como sonsos, o conhecemos. É como doido que entro pela vida que tantas vezes não tem porta, e como doido compreendo o que é perigoso compreender, e só como doido é que sinto o amor profundo, aquele que se confirma quando vejo que o radium se irradiará de qualquer modo, se não for pela confiança, pela esperança e pelo amor, então miseravelmente pela doente coragem de destruição. Se eu não fosse doido, eu seria oitocentos policiais com oitocentas metralhadoras, e esta seria a minha honorabilidade. Até que viesse uma justiça um pouco mais doida. Uma que levasse em conta que todos temos que falar por um homem que se desesperou porque neste a fala humana já falhou, ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização. Uma justiça prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a do medo, e que um homem que mata muito é porque teve muito medo. Sobretudo uma justiça que se olhasse a si própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo a maldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento. Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. Na hora de matar um criminoso - nesse instante está sendo morto um inocente. Não, não é que eu queira o sublime, nem as coisas que foram se tornando as palavras que me fazem dormir tranqüila, mistura de perdão, de caridade vaga, nós que nos refugiamos no abstrato. O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno.
@liviacosta3799
@liviacosta3799 3 жыл бұрын
Como diria a própria Clarice: "Um tiro bastava, o resto era apenas vontade de matar"...
@soniamf7925
@soniamf7925 7 ай бұрын
*_LIKES_* 👍🏻👍🏻👍🏻👍🏻❤️🕊🕊🕊🕊✌🏻 Obrigada. *_SOLIDARIEDADE COM A POPULAÇÃO DO RS!_* 😢
@katianascimentoportugues7962
@katianascimentoportugues7962 4 жыл бұрын
"Quem entende, desorganiza". Essa é a melhor passagem. Uma crônica de cunho social e com esta mensagem, me faz pensar o quanto precisamos desorganizar este mundo pra uma nova ordem.
@Max.soriano
@Max.soriano 2 жыл бұрын
“Ecco, è meglio la vita più miserabile, credimi, che l’esistenza protetta da una società organizzata in cui tutto sia previsto, tutto perfetto.”
@andreia646
@andreia646 9 ай бұрын
Choro toda vez que escuto esse áudio 😢😢😢😢😢
@Yusei5ds0707
@Yusei5ds0707 3 жыл бұрын
Um homem raramente faria uma reflexão dessa, sem segundas intenções.
@estevesfernanda7962
@estevesfernanda7962 3 жыл бұрын
Simplesmente expetacular !!!!!! parabéns!!!! Um milhão de Like, pois já ouvi o vídeo 20 veze em 2 dias ,amanhã eu volto !
@lilianfelix5066
@lilianfelix5066 Ай бұрын
"Há uma coisa em nós que desorganiza tudo. Essa coisa que entende."
@higorpinheiro8160
@higorpinheiro8160 3 жыл бұрын
Lázaro
@joelisonnascximento660
@joelisonnascximento660 7 ай бұрын
Espero que Deus seja pai enquanto um homem for pai de outro homem achei lindo essa parte
@rodrigoslmercadante
@rodrigoslmercadante 3 жыл бұрын
Das coisas mais lindas da nossa literatura.
@vidavida3804
@vidavida3804 Жыл бұрын
Única !!!!!!! 👏🏻👏🏻👏🏻
@rafaeldasilvabonfim5743
@rafaeldasilvabonfim5743 4 жыл бұрын
"É como doido que entro pela vida que tantas vezes não tem porta, e como doido compreendo o que é perigoso compreender, e só como doido é que sinto o amor profundo..." Texto incrível e narração cheia de luz e sangue.
@andreia646
@andreia646 9 ай бұрын
Foi o mesmo que aconteceu cm Lázaro,estavam cansados de procurar e ele conseguia escapar sempre,desviando caminhos e enganando policiais,isso fazia cm que os mesmos se irritassem mais ainda,então pra mim todos aqueles tiros que lançaram, alegando que ele havia reagido e se exaltado ,na verdade foi toda raiva e cansaço ao procurá- lo...😢😢😢😢
@AntonioCarlos-rn6nq
@AntonioCarlos-rn6nq 2 жыл бұрын
Esse texto é um dos meus favoritos de Clarice, e essa interpretação ficou incrível!!
@vicentebenedito5873
@vicentebenedito5873 2 жыл бұрын
a melhor narração de todas absolutamente
@mariluciadarosarezende3981
@mariluciadarosarezende3981 4 жыл бұрын
Texto denso, profundo que nos leva a refletir sobre a justiça ou injustiça humana...
@arabelafigueiras6379
@arabelafigueiras6379 3 жыл бұрын
É tão linda e profunda....
@vicentebenedito5873
@vicentebenedito5873 2 жыл бұрын
gracias
@rafaaholic
@rafaaholic Жыл бұрын
Como ouvir sem chorar? 😢
@douglascustodio1066
@douglascustodio1066 5 жыл бұрын
Que conto q me causa inquietação, agitação, perplexidade. Sim esse composto de coisas só diz uma coisa: Eu sou o Mineirinho.
@brenocruzduarte4083
@brenocruzduarte4083 2 жыл бұрын
O que diria Clarisse de Lázaro? Homem morto com 140 tiros, quando 1 bastava, 139 era a vontade de matar. *"Na hora de matar um criminoso, nesse instante morre um inocente."*
@wirow01
@wirow01 2 жыл бұрын
perfeito!!
@vidavida3804
@vidavida3804 Жыл бұрын
👏🏻👏🏻👏🏻
@AnaPaula-hx3mo
@AnaPaula-hx3mo 3 жыл бұрын
Me lembra a saga de Lázaro
@otristefinn
@otristefinn 5 жыл бұрын
❤️
@Gustavoalessandrom
@Gustavoalessandrom 3 жыл бұрын
Muito forte!! Linda narração!
@FilosofiaPop
@FilosofiaPop 3 жыл бұрын
Muito obrigada 🙌
@vinimulato
@vinimulato 4 жыл бұрын
🌹
@brenocruzduarte4083
@brenocruzduarte4083 2 жыл бұрын
Escrevi um conto inspirado nesse. O meu foi baseado na morte de Lázaro.
@joelisonnascximento660
@joelisonnascximento660 Жыл бұрын
Ela amava mineirinho
@danieladriao9935
@danieladriao9935 3 жыл бұрын
(...) "Essa Justiça, eu a repudio, envergonhado por precisar dela...
@Lisay__Oficial
@Lisay__Oficial 4 ай бұрын
Alguém entendeu?
@joelisonnascximento660
@joelisonnascximento660 3 жыл бұрын
quando se mata um criminoso temos ai dois criminosos basicamente o que ela quiz dizer
@FilosofiaPop
@FilosofiaPop 3 жыл бұрын
é isso... esse texto é um daqueles que nos deixam o silêncio denso...
@elianepereira6794
@elianepereira6794 3 жыл бұрын
Me vejo na cozinheira... medo de admitir o q pendo, vergonha de verbalizar...
@elvis278941
@elvis278941 4 жыл бұрын
Eu sou o Mineirinho.
@ElectraV
@ElectraV Ай бұрын
Imagina se ela estivesse viva pra ver o fim do Lázaro.
@joelisonnascximento660
@joelisonnascximento660 Жыл бұрын
Mineirinho representa o homem negro que sofre descriminação
@ANAPAULAMACIELRIBEIRO
@ANAPAULAMACIELRIBEIRO Жыл бұрын
Ah, Clarisse... Não há esperança para quem te lê/ouve, e não 'desperta'... 🙄
@vicentebenedito5873
@vicentebenedito5873 9 ай бұрын
Verdade ❤
@joelisonnascximento660
@joelisonnascximento660 3 жыл бұрын
gente isso e uma facada na alma
@joelisonnascximento660
@joelisonnascximento660 Жыл бұрын
Ela se vê indignada
Clarice Lispector - Perdoando Deus por Aracy Balabanian
10:19
Sebo Itinerante
Рет қаралды 294 М.
VIP ACCESS
00:47
Natan por Aí
Рет қаралды 30 МЛН
Mom Hack for Cooking Solo with a Little One! 🍳👶
00:15
5-Minute Crafts HOUSE
Рет қаралды 23 МЛН
Beat Ronaldo, Win $1,000,000
22:45
MrBeast
Рет қаралды 158 МЛН
She made herself an ear of corn from his marmalade candies🌽🌽🌽
00:38
Valja & Maxim Family
Рет қаралды 18 МЛН
CLARICE LISPECTOR entrevista VINICIUS DE MORAES
10:30
alterquia
Рет қаралды 29 М.
Clarice Lispector- Contos #1  Felicidade Clandestina  (Audiobook)
8:14
A FACE OCULTA DE PAULO FREIRE
31:11
Brasil Paralelo
Рет қаралды 648 М.
Quem foi CLARICE LISPECTOR  I 50 FATOS
14:15
VRA TATÁ I Arte e Cultura
Рет қаралды 302 М.
Maria Bethânia | Grande Sertão Veredas [Diadorim]
3:27
PedroProgresso
Рет қаралды 396 М.
Uma Moldura para Clarice
16:33
imoreirasalles
Рет қаралды 53 М.
Como surgiu a crucificação, o mais 'cruel e aterrorizante' dos castigos
13:52
Felicidade Clandestina - Clarice Lispector (por Aracy Balabanian)
8:14
Henrique Fernandes
Рет қаралды 32 М.
A Entrevista Perdida de Clarice Lispector - Áudio Completo [RESTAURADO]
1:45:54
Letras e Pensamento
Рет қаралды 97 М.
VIP ACCESS
00:47
Natan por Aí
Рет қаралды 30 МЛН