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Um dia, o poeta Carlos Drummond de Andrade estava na janela de sua casa quando reparou que todas as árvores da rua estavam verdes, menos a amendoeira. “Ela ostentava algumas folhas amarelas e outras já estriadas de vermelho, numa gradação fantasista que chegava mesmo até o marrom - cor final de decomposição, depois da qual as folhas caem”. Aí o poeta quis saber o porquê de cores tão diferentes das outras árvores da rua. E a amendoeira respondeu: “Não vês? Começo a outonear. Cumpro meu dever de árvore, embora minhas irmãs não respeitem as estações. Como deves notar, trago comigo um resto de verão, uma antecipação de primavera e mesmo, se reparares bem neste ventinho que me fustiga pela madrugada, uma suspeita de inverno”. Drummond respondeu: “É, somos todos assim”. A amendoeira não concordou: “Os homens, não. Em ti, por exemplo, o outono é manifesto e exclusivo. Acho-te bem outonal, meu filho. Repara que o outono é mais estação da alma do que da natureza”. O poeta reclamou, disse: “Não me entristeças!”. A Amendoeira o consolou: “Sou tua árvore-da-guarda e simbolizo teu outono pessoal. Quero apenas que te outonizes com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves... Outoniza-te com dignidade, meu velho.”
Da crônica “Fala, amendoeira”, de Carlos Drummond de Andrade, 1957.