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Michel Foucault, em seu prefácio, reluta em escrever uma nova introdução para um livro antigo, argumentando que isso poderia desvirtuar a obra ao justificá-la no contexto atual. Ele critica a tendência do autor de impor um significado fixo ao texto.
1. Stultifera navis
Ao final da Idade Média, a lepra desaparece do mundo ocidental, deixando atrás de si grandes áreas estéreis. Durante séculos, essas áreas marginais, como praias abandonadas, esperariam uma nova encarnação do mal e formas renovadas de exclusão. Nos séculos XIV a XVII, leprosários se multiplicaram, sendo recenseados 19.000 em toda a cristandade, com mais de 2.000 só na França. Ao longo do século XV, muitos desses leprosários, como Saint-Germain e Saint-Lazare, foram esvaziados ou transformados para outros usos, incluindo a correção de jovens delinquentes e tratamento de incuráveis.
O desaparecimento da lepra não foi devido a avanços médicos, mas a uma segregação eficaz e ao fim das Cruzadas, que romperam com os focos orientais de infecção. Contudo, os valores e imagens associados ao leproso, e o sentido de exclusão, perduraram. A exclusão social dos leprosos era vista como uma manifestação divina, um castigo, mas também uma comunhão espiritual. Este ritual de exclusão social se manteve, sendo reutilizado mais tarde para pobres, vagabundos, presidiários e "cabeças alienadas", preservando a estrutura de exclusão e reintegração espiritual.
Com o tempo, a lepra foi substituída pelas doenças venéreas, que tomaram seu lugar em hospitais antes destinados a leprosos. No entanto, essas doenças, rapidamente medicalizadas, não assumiram o papel social e simbólico da lepra. A verdadeira herança da lepra passou a ser a loucura, que, após um longo período de latência, começou a suscitar reações de exclusão e purificação similares. A loucura, ligada às experiências da Renascença, tornou-se a nova figura do mal, exigindo um novo sistema de exclusão e uma nova forma de experiência cultural.