EU OUVIA MINHA MÃE CHORAR POR MEDO DE NÃO TER COMIDA NO OUTRO DIA | Histórias de ter.a.pia

Viúva aos 28 anos e despejada da casa onde morava, a mãe da Priscila ocupou uma casa abandonada na periferia de Taboão da Serra para poder ter um teto para seus quatro filhos. Ali ela criou todos eles e começou a transformar a vida da sua família, até o momento da sua partida, três anos atrás.
Há cerca de 40 anos, o pai da Priscila faleceu em decorrência de um câncer, deixando quatro filhos e sua esposa, dona Sonia sozinhos. Sonia não era alfabetizada, era dona de casa e se viu desamparada naquele momento. A coisa se agravou quando a dona da casa onde ela morava até então com o marido, a expulsou de lá porque ela "não iria pagar o aluguel" já que não tinha emprego.
Na rua, com quatro crianças ela acabou ocupando uma casa abandonada e que servia como ponto de tráfico na região. A casa era como na canção "A Casa", de Vinícius de Morais, não tinha teto, não tinha nada. Nem banheiro, nem telha, nada. A situação não era fácil. A Priscila conta que acordava de madrugada, ainda pequenininha, e via a mãe chorando na cozinha, pedindo a Deus que não faltasse comida para eles no dia seguinte.
Com a ajuda dos vizinhos a família foi se reerguendo e a dona Sonia encontrou um trabalho, com um empurrãozinho do destino, quando uma moça parou ali e perguntou se ela trabalhava como manicure. Ela mentiu, dizendo que sim, mas foi a partir daí que a vida dela e dos filhos começou a mudar.
Dona Sonia sustentou a família com seu trabalho informal de manicure, voltou para a escola, terminou seu supletivo, fez faculdade de enfermagem, passou num concurso público e seguiu a vida, sempre dizendo aos filhos que o estudo era a coisa mais importante da vida porque "conhecimento ninguém nos tira".
Sendo pai, mãe e toda uma rede de apoio sozinha, como muitas mulheres negras Brasil afora até hoje, dona Sonia criou seus quatro filhos e teve uma quinta filha com outro companheiro. Tudo que lhe foi negado um dia, desde muito nova, ela deu aos filhos: amor, colo e acolhimento.
E seus filhos retribuíram como puderam. Todos eles, já adultos, se juntaram e construíram uma casa para dona Sonia, onde ela viveu até seus 63 anos, quando partiu devido a um infarte. Sua partida foi muito repentina e deixou um vazio enorme em toda sua família. Mas toda sua perseverança foi passada para cada um dos seus filhos, que hoje tentam repassar dentro de suas próprias casas o que aprenderam com ela.
No laudo do óbito da dona Sonia, constava que ela teve um infarte devido a uma miocardiopatia dilatada, ou seja, seu coração era grande demais. Algo que ela sempre disse para a Priscila e seus irmãos, que seu coração não cabia no peito. Tudo que ela superou foi por amar demais sua família e esse amor se estendeu até sua partida.
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