Excelente iniciativa do jornal Público. E já tínhamos saudades de ouvir Luís Miguel Cintra declamar poesia.
7 жыл бұрын
Apaixonada por essa voz, esse sotaque... poderia ouvi-lo pra sempre.
@ivoneteles47215 жыл бұрын
Belíssimo o poema, magistralmente dito por L.M.Cintra com a sua inesquecível voz.
@suricatafari9 жыл бұрын
que bem escrito, que bem dito. que maravilha.
@ruiduartesa9 жыл бұрын
Soberbo. Obrigado Luís Miguel Cintra.
@woolf284 жыл бұрын
Lindo, lindo!
@carlosluis86176 жыл бұрын
Obrigado Luís
@catarinafaro4 жыл бұрын
Uma palavra, obrigada.
@fernandoarturov9 жыл бұрын
LUGAR (poema II). Há sempre uma noite terrível para quem se despede do esquecimento. Para quem sai, ainda louco de sono, do meio do silêncio. Uma noite ingénua para quem canta. Deslocada e abandonada noite onde o fogo se instalou que varre as pedras da cabeça. Que mexe na língua a cinza desprendida. E alguém me pede: canta. Alguém diz, tocando-me com seu livre delírio: canta até te mudares em cão azul, ou estrela electrocutada, ou em homem nocturno. Eu penso também que cantaria para além das portas até raízes de chuva onde peixes cor de vinho se alimentam de raios, seixos límpidos. Até à manhã orçando pedúnculos e gotas ou teias que balançam contra o hálito. Até à noite que retumba sobre as pedreiras. Canta - dizem em mim - até ficares como um dia órfão contornado por todos os estremecimentos. E eu cantarei transformando-me em campo de cinza transtornada. Em dedicatória sangrenta. Há em cada instante uma noite sacrificada ao pavor e à alegria. Embatente com suas morosas trevas. Desde o princípio, uma onde que se abre no corpo, degraus e degraus de uma onda. E alaga as mãos que brilham e brilham. Digo que amaria o interior da minha canção, seus tubos de som quente e soturno. Há uma roda de dedos no ar. A língua flamejante. Noite, uma inextinguível inexprimível noite. Uma noite máxima pelo pensamento. Pela voz entre as águas tão verdes do sono. Antiguidade que se transfigura, ladeada por gestos ocupados no lume. Pedem tanto a quem ama: pedem o amor. Ainda pedem a solidão e a loucura. Dizem: dá-nos a tua canção que sai da sombra fria. E eles querem dizer: tu darás a tua existência ardida, a pura mortalidade. Às mulheres amadas darei as pedras voantes, uma a uma, os pára- -raios abertíssimos da voz. As raízes afogadas do nascimento. Darei o sono onde um copo fala fusiforme batido pelos dedos. Pedem tudo aquilo em que respiro. Dá-nos tua ardente e sombria transformação. E eu darei cada uma das minhas semanas transparentes, lentamente uma sobre a outra. Quando se esclarecem as portas que rodam para o lugar da noite tremendamente clara. Noite de uma voz humana. De uma acumulação atrasada e sufocante. Há sempre sempre uma ilusão abismada numa noite, numa vida. Uma ilusão sobre o sono debaixo do cruzamento do fogo. Prodígio para as vozes de uma vida repentina. E se aquele que ama dorme, as mulheres que ele ama sentam-se e dizem: ama-nos. E ele ama-as. Desaperta uma veia, começa a delirar, vê dentro de água os grandes pássaros e o céu habitado pela vida quimérica das pedras. Vê que os jasmins gritam nos galhos das chamas. Ele arranca os dedos armados pelo fogo e oferece-os à noite fabulosa. Ilumina de tantos dedos a cândida variedade das mulheres amadas. E se ele acorda, então dizem-lhe que durma e sonhe. E ele morre e passa de um dia para outro. Inspira os dias, leva os dias para o meio da eternidade, e Deus ajuda a amarga beleza desses dias. Até que Deus é destruído pelo extremo exercício da beleza. Porque não haverá paz para aquele que ama. Seu ofício é incendiar povoações, roubar e matar, e alegrar o mundo, e aterrorizar, e queimar os lugares reticentes deste mundo. Deve apagar todas as luzes da terra e, no meio da noite aparecente, votar a vida à interna fonte dos povos. Deve instaurar o corpo e subi-lo, lanço a lanço, cantando leve e profundo. Com as feridas. Com todas as flores hipnotizadas. Deve ser aéreo e implacável. Sobre o sono envolvida pelas gotas abaladas, no meio de espinhos, arrastando as primitivas pedras. Sobre o interior da respiração com sua massa de apagadas estrelas. Noite alargada e terrível terrível noite para uma voz se libertar. Para uma voz dura, uma voz somente. Uma vida expansiva e refluída. Se pedem: canta, ele deve transformar-se no som. E se as mulheres colocam os dedos sobre a sua boca e dizem que seja como um violino penetrante, ele não deve ser como o maior violino. Ele será o único único violino Porque nele começará a música dos violinos gerais e acabará a inovação cantada. Porque aquele que ama nasce e morre. Vive nele o fim espalhado da terra.